A ideia de que as filhas são mais ligadas aos pais, enquanto os rapazes têm uma melhor relação com as mães, é antiga e tem origem na teoria clássica freudiana. Hoje em dia, quase ninguém parece ter dúvidas disso.

“Esta foi uma teoria que revolucionou o modo de conhecer a sexualidade”, afirma à MAGG Beatriz Matoso, psicóloga clínica e psicanalista. “Efetivamente, o conceito de ‘complexo de Édipo’, que explica como as meninas são mais atraídas pelo pai e os meninos pela mãe, veio demonstrar que a sexualidade não tinha início na puberdade mas sim numa fase mais precoce do desenvolvimento.”

“O meu filho é completamente obcecado por mim”

Joana Pratas é consultora de comunicação, tem 36 anos e é mãe de duas crianças: Maria Teresa, de cinco anos, e António Maria, de três. “A minha filha é mais neutra em relação aos pais, embora tenha uma forte ligação com o avô materno. Já o meu filho é completamente obcecado por mim”, confessa à MAGG.

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Embora o filho mais novo de Joana e do marido, João, recorra ao pai para brincadeiras e atividades relacionados com o exterior, o pequeno António Maria tem uma ligação muitíssimo forte com a mãe — tanto que já causa algum desconforto à filha do casal.

“Lembro-me de uma semana em que eles ficaram os dois doentes, o António primeiro e a Teresinha a seguir. Ele já estava a recuperar e tive de pedir ao meu marido para arranjar atividades para fazer com o António, dado que estava a chover e as brincadeiras habituais fora de casa não eram possíveis. Estávamos a tentar perceber como gerir esta situação quando a minha filha me diz: ‘Mãe, o mano está sempre colado a ti. Se vou para o teu colo, começa a chorar e vais logo ter com ele’.”

Joana conta que esta frase da filha foi um alerta e que, desde então, tem feito um esforço para ser mais neutra e equilibrar-se entre os dois filhos. “Ele também é mais novo, precisa mais de mim e é muito mais mimoso que a irmã. Mas é tudo comigo. Sou eu que adormeço, que dou banho, que dou de comer. Recusa-se mesmo a que seja o pai a realizar essas tarefas”, explica a consultora de comunicação.

A exigência constante da presença da mãe é desgastante e suga a energia de Joana, que admite que há alturas em que chega a ter guerrilhas tontas com o filho para que este permita que seja o pai a dar-lhe de comer, por exemplo — o que é raro acontecer. Mas a mãe de António e Maria Teresa, apesar do cansaço, confessa que não preferia outra situação.

“É desgastante sim, mas cada vez mais quero ter isto. O tempo passa muito depressa, tudo isto é demasiado rápido. É verdade que às vezes sinto que o meu filho me suga toda a atenção, mas prefiro assim. Até porque quando tiverem 10 anos já não vão querer dormir na cama dos pais.”

O que leva uma criança a aproximar-se do pai ou da mãe é a qualidade da relação

Beatriz Matoso acredita que o conceito dos filhos se ligarem mais aos pais consoante o género sexual está ultrapassado e evoluiu bastante da teoria original de Freud.

“O conceito de parentalidade tem cada vez mais importância para compreendermos as relações entre pais e filhos”, afirma a especialista, que acrescenta que este é um processo evolutivo de realização humana, que se inicia no desejo de ter um filho e se constrói pela experiência de “serem pais”.

“Esta experiência consiste em ir ao encontro da satisfação das necessidades físicas e emocionais do filho, de acordo com o seu grau de crescimento e a fase de vida em que se encontra.”

Se os pais são capazes de descodificar as necessidades do bebé e de as satisfazer de uma forma adequada, a criança sente-se satisfeita e segura, reforça a psicóloga clínica, que acredita que “o que leva uma criança a aproximar-se mais de um ou outro progenitor é a qualidade de relação, isto é, a capacidade de compreender e procurar satisfazer as necessidades dos filhos, de acordo com a sua fase de crescimento. ”

As mães são para as regras, os pais para as brincadeiras

Carolina, de 30 anos, é jornalista e mãe de Clara, de apenas um ano. E apesar da tenra idade da filha, é notória uma clara aproximação ao pai.

“Sempre ouvi dizer que as meninas eram mais apegadas aos pais e, no nosso caso, isso tem-se verificado. A Clara é completamente pai. Mas acho que também tem muito a ver com o tempo que passam juntos, que acaba por ser superior ao meu”, salienta a jornalista.

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Devido aos horários do casal, é o companheiro de Carolina que acorda a bebé de um ano e a leva para casa dos pais antes de ir trabalhar, rotina que repete por volta das 18h30, quando apanha Clara e a leva de regresso para casa, lhe dá banho, brinca e, na grande maioria das vezes, dá jantar durante a semana.

“Num dia bom, consigo chegar a casa por volta das 19h30, ainda ajudo no banho ou dou a comida. Mas na grande maioria das vezes, quando chego já tudo isso está feito. A Clara tem horários que devem ser cumpridos, caso contrário fica completamente desrregulada e birrenta. E também já chegou a acontecer chegar a casa e ela já estar a dormir.”

Para além de ser menos presente durante a semana, Carolina acaba por ter uma postura mais rígida com a filha do que o companheiro.

“Não sou nada dura, não se é dura com uma criança de um ano. Mas ela está numa fase em que adora explorar, que já começa a tentar ficar de pé, a abrir gavetas. E claro que se pode magoar e eu digo não, ela fica magoada e faz birra. Já o pai é mais desligado dessas coisas e, apesar de ter mil cuidados, é mais permissivo, deixa-a mexer em coisas que pode estragar, como os comandos da TV, por exemplo. Mas é um bocadinho frustrante, já passo imenso tempo sem ela e, quando estou, parece que é para lhe ralhar.”

Margarida Alegria, psicóloga clínica, também concorda com a ideia de que as mães, muitas vezes, são vistas como a figura que impõe as regras. “Os pais são mais direcionados para as brincadeiras, enquanto as mães não são tão liberais e costumam apertar mais com as rotinas e regras. No entanto, tem a ver muito com cada caso”, conclui a especialista.

* Originalmente este texto foi publicado em 2018, tendo sido agora adaptado.