Toda a gente tem uma opinião sobre o que deve ser uma educação perfeita de um filho. "Não lhe digas isso, diz-lhe antes isto". "Não devias ter agido assim, o melhor era teres feito assado." No meio de tantas sugestões, ideias e filosofias, não existem respostas certas. Mas nunca é demais aprender. Em entrevista à MAGG, a formadora e terapeuta familiar e de casal Manuela Silveira, autora do blogue Peças de Família, explica como é preciso olhar para as crianças como sendo iguais a nós — e como substituir o não pelo sim pode fazer toda a diferença.

O que é a parentalidade positiva?

É uma filosofia que promove a relação entre pais e filhos baseada no respeito mútuo. Para os pais que pratiquem a parentalidade positiva, o principal objetivo é que consigam educar crianças felizes, resilientes, que sejam capazes. Acredita-se que a base de tudo isto tem a ver com o tipo de vínculo que temos com os nossos filhos.

Um vínculo de respeito mútuo?

Sim. Não queremos mudar os nossos filhos. Aceitamos a criança ao longo do seu crescimento tal e qual como ela é. E quando digo aceitar não estou a dizer que temos de concordar com tudo o que ela faz, isto não é permissividade. É sim não olhar para a criança como um ser inferior a nós. Isso traduz-se em tratarmos a criança tal como nós, adultos, gostaríamos de ser tratados.

Parentalidade positiva então não significa fazer tudo o que a criança quer.

Claro que não. Fundamentalmente, temos três estilos parentais: o autoritário, onde se utiliza o bater, o castigo, a ameaça, a humilhação; existem muitas regras, mas quando são colocadas não é tido em atenção aquilo que a criança quer, a sua opinião ou as suas necessidades. A criança não é escutada nesse processo. Há também uma questão que falha no estilo autoritário, uma vez que são pais que não estão tão disponíveis em termos de afeto, a comunicação não flui. É tudo muito rígido. No lado oposto temos o estilo parental permissivo. Aqui há muito carinho e afeto, os pais vão ao máximo ao encontro das necessidades dos seus filhos, mas depois falham na questão das regras e dos limites. Até podem existir, mas depois não são monitorizados.

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E o terceiro? Onde fica a parentalidade positiva entre a parentalidade autoritária e a parentalidade permissiva?

No meio. Há o carinho, afeto, amor, comunicação positiva e bidirecional, mas também há regras e limites. São importantíssimos para estabelecer uma relação de estabilidade e confiança com a criança, mas sobretudo de segurança. A parentalidade positiva fica no centro: não é dizer que sim a tudo, de todo. Se nós tivermos uma relação de respeito com a criança, mais facilmente conseguimos obter dela cooperação. E não simples obediência. E no fundo é isso que nós queremos. Aí é muito mais fácil colocar as regras e os limites, porque ela faz parte do processo.

A partir de que idade é que podemos usar a parentalidade positiva?

A partir dos cinco, seis anos, o regulamento familiar deve ser feito com as crianças. Obviamente que há coisas que não são negociáveis, e isso é estabelecido entre os pais. Isso resulta em regras que são colocadas às crianças, e sobra espaço para que elas possam dar a sua opinião e participarem de forma mais ativa. Falo de coisas pequenas.

Pode dar-me um exemplo?

Por exemplo: na nossa casa as crianças deitam-se às 21h30. Pode haver margem de manobra: pode ser às 21h15, pode ser às 21h45. Podemos dar-lhe espaço. Outro exemplo: na nossa casa nunca há televisão ao jantar. Muito bem, e há o quê? O que é que vocês gostavam? De ouvir música? De conversar?

Manuela Silveira é terapeuta familiar e de casal e educadora parental

Onde é que ficam as palmadas e os castigos na parentalidade positiva?

Os chamados castigos encaixam-se mais no estilo de parentalidade autoritária. Na parentalidade positiva não sente os castigos. Sente sim as consequências. No castigo não há uma relação lógica entre aquilo que a criança faz e o que acontece a seguir. Por exemplo, a criança...

Não comeu os vegetais?

Podemos ir por aí. A criança recusa-se a comer os vegetais. Então não vê televisão — isto é um castigo. Se optarmos pela consequência, a criança recusa-se a comer os vegetais, então não há sobremesa. As coisas têm de estar relacionadas. Por exemplo, parte o vidro de um vizinho. Ok, então a solução não é deixar de ir para a rua ou não andar mais de bicicleta. Por exemplo, pode ir à mesada ou semanada dela e pagar a despesa. Nas consequências há uma lógica, enquanto no castigo uma coisa não tem nada a ver com outra.

E as palmadas?

Na punição física a criança não aprende nada, ou melhor, aprende que é assim que se resolvem as coisas quando estamos frustrados ou quando as pessoas não fazem aquilo que nós queremos. Tem impacto na relação que estabelecemos com a criança e não resulta a longo prazo: nós podemos bater até aos sete, oito, nove anos, mas então e depois? Se formos a ver, a base é esta: enquanto adultos, se as pessoas não fazem aquilo que nós queremos ou nos sentimos frustrados, o que é que nós fazemos? Nós batemos nessas pessoas? Gritamos? Ameaçamos? Humilhamos?

Obviamente que não.

Se não fazemos isso com os adultos, com as pessoas que nos são próximas — o nosso marido, a nossa mulher, os nossos pais —, porque é que vamos fazer isso com os nossos filhos? A base é essa.

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Então a base da parentalidade positiva é tratar as crianças como adultos, como iguais a nós?

Não é como adultos, mas sim como iguais a nós. Elas são seres humanos tal como nós, que precisam de carinho, segurança, proteção e amor para conseguirem crescer de forma saudável e positiva. Não podemos olhar para elas como seres inferiores a nós, que não são capazes.

Uma criança de dois ou três anos mete a mão no fogão. O impulso dos pais é dar uma palmada. Isto é errado?

A primeira coisa a fazer é retirá-la de lá e depois explicar-lhe porque é que não pode meter ali a mão. Pode por exemplo aproximar a mão da criança… eu fiz isso com a minha filha pequena, numa daquelas lareiras de vidro. Aquele vidro é muito quente, certo? O que é que eu fiz: pus a mão dela muito perto do vidro para ela perceber que era quente. Não é preciso bater, é ensinar, é explicar. Claro que quando elas estão em perigo, nós agarramos, empurramos, fazemos o que for preciso para resolver a situação. Mas depois temos de explicar.

E em idades em que não é possível explicar porque eles são demasiado novos para compreender? A alternativa é mostrar?

Depende, se for uma estrada não. Aí temos que ter a criança sempre perto de nós. Em vez de dizermos “não vás para aí”, podemos dizer “fica junto de mim”. “Não vás para perto do fogão”. “Olha, vem aqui para ao pé de mim que vamos fazer uma coisa gira”. Não é dizer-lhe o que não pode fazer. Nós adultos é igual: se eu agora lhe disser “não imagine um elefante cor de rosa”.

Começo logo a imaginar o elefante cor de rosa.

Com as crianças é exatamente o mesmo. Temos que evitar ao máximo a palavra não. Não, temos que lhe dizer o que é que queremos que ela faça, quais é que são as nossas expectativas em relação ao comportamento delas. Se não, estamos a dar-lhe ideias.

Vou dar-lhe mais um exemplo: birras no supermercado. Qual é a atitude correta?

Estamos a falar de que idades?

Uma criança de quatro, cinco anos.

Muito bem. Porque é que eu lhe perguntei esta questão da idade? Porque há dois tipos de birras. Há a chamada birra coerciva, em que aparece por volta dos 18 meses e vai até aos três, três anos e tal. No fundo as birras são uma forma de expressão. As crianças não conseguem comunicar aquilo que querem e que sentem, então fazem birra. Porque estão frustradas, zangadas, cansadas. Se a criança for ainda muito pequena, aquilo que se aconselha é que se tente conter um pouco a criança. Colocarmo-nos ao nível dela, aproximarmo-nos, abraçá-la, de preferência, o que ajuda a baixar o batimento cardíaco. No fundo a criança está num descontrolo emocional, portanto aquilo que temos de fazer é ajudá-la a acalmar-se. Falar com ela devagar. Depois consoante a idade dela podemos conversar, explicar.

E nas crianças mais velhas?

Se forem mais velhas, as birras já são utilizadas para outro tipo de coisas. A criança consegue perfeitamente expressar-se, dizer aquilo que quer e que não quer, por isso as birras são uma forma de persuasão do adulto. E aí o que se aconselha é basicamente ignorar. Por muito difícil que seja, sobretudo com o exemplo que deu em espaços públicos. É como se a criança não estivesse a fazer nada. Logicamente sempre com ela debaixo de olho, mas basicamente é isso.

A partir de que idades?

A partir dos três anos e meio, quatro anos, a maior parte das birras são deste género. Até porque se percebe: a criança pediu alguma coisa, e a mãe ou o pai disseram que não. Ela tem de saber lidar com a frustração. Assim que a criança parar de fazer a birra, a primeira coisa que faz é ir ter com ela. E vai dizer-lhe: “Boa, conseguiste controlar-te. Então agora vamos conversar sobre aquilo que aconteceu. Tu querias isto, mas a mãe não pode” — ou a “mãe não quer”, não interessa. E depois vão de alguma forma tentar negociar. “Queres muito isto, eu não posso dar. Tu tens a tua mesada ou semanada, portanto quando puderes compras”. Depende muita da situação, mas essencialmente é fazer o reforço positivo: “Muito bem, conseguiste parar. Agora vamos conversar sobre aquilo que aconteceu e o que é que tu queres.”

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Vou dar-lhe mais um exemplo. As frases “odeio-te, és o pior pai/mãe do mundo” e “gosto mais do pai/mãe do que de ti”.

A priori, se existir a tal relação de respeito e atenção positiva — que é muito importante—, não vai haver muito espaço para isso acontecer. Mas se acontecer, o que deve ser dito é: “Muito bem, percebo que estás muito zangado comigo e por isso é que estás a dizer isso. Mas eu continuo a gostar muito de ti.” Normalmente desarma-os.

Falemos então da atenção positiva.

É uma das bases da parentalidade positiva. Estudos dizem-nos que quanto mais atenção damos a um comportamento, seja ele positivo ou negativo, maior é a probabilidade de ele se manter ou até aumentar. Se estivermos mais focados nos comportamentos positivos, se dermos atenção, carinho, se elogiarmos, reconhecermos o esforço da criança, maior a probabilidade deste aumentar. Este é um dos princípios da parentalidade positiva. Às vezes nós damos importância a coisas…

Que não fazem assim tanto sentido.

… Não havia necessidade. Temos também de saber comprar as nossas guerras. E isso depois vai também dar muito mais espaço para, assim que a criança fizer uma coisa bem, nós elogiarmos. Às vezes eles fazem coisas boas que passam despercebidas. É uma coisa até cultural, eu acho, do nosso povo. Estamos tão focados no mau, no que está errado. Às vezes a criança até vai por sua iniciativa pôr a mesa, até faz os trabalhos de casa sem ser preciso dizer nada, e depois nós não validamos isso.

Quais são os principais erros dos pais na educação das crianças?

Erro é uma palavra forte. Nós fazemos o melhor que podemos. Quando nós queremos aprender um instrumento musical novo ou aprender a conduzir, o que é que fazemos? Fazemos formação. Para sermos pais e mães isso não existe. E é o mais importante da nossa vida. É incrível que no nosso País ainda não exista esta cultura da educação parental. É difícil hoje em dia ser-se pai ou ser-se mãe. Se formos a comparar, por exemplo, com o tempo dos nossos pais, as coisas parece que eram mais simples. Não havia tanto stresse, as coisas não eram tão exigentes em termos laborais. O principal erro dos pais é quererem ser perfeitos. E a pressão que isso coloca em nós. Quanto mais pressão, mais erramos.

Os pais culpam-se mais?

Muito. Principalmente as mulheres, as mães, sinceramente. Depois entram aqui outras questões. Por exemplo, em terapia de casal uma das principais coisas que eu trabalho com os casais logo de início é a questão da partilha das tarefas. Porque isto parece que não mas tem um impacto incrível em tudo, em todas as esferas das nossas vidas. Quando há uma grande sobrecarga num dos membros do casal, é normal que depois as coisas não corram tão bem, que essa pessoa não ande tão feliz. Temos de cuidar de nós.

*Entrevista originalmente publicada em 2018 e atualizada a 25 de outubro de 2022.

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