Tomás Teixeira sempre se habituou a ver os pais a discutir. Fosse pelo jantar não estar pronto às horas que o pai chegava a casa ou pela mãe achar que o marido se metia demasiado nos problemas do seu lado da família — as discussões eram constantes e em tons elevados.

“Recordo-me de ouvir o meu pai dizer que o meu tio, irmão da minha mãe, era um drogado, um bêbado, andava a gastar o dinheiro todo da herança da minha falecida avó e até a casa ia perder”, recorda Tomás, gerente de loja, hoje com 28 anos e pai de uma menina. “Gravei esse momento na minha memória. Gostava bastante do meu tio mas lembro-me que devia ser miúdo, com 10 anos talvez, e sei que a partir daí, a minha perceção dele mudou e afastei-me.”

Tomás conta à MAGG que a postura dominante do pai, sobretudo em relação à mãe, o marcou para o futuro. “Achava que era normal, que era assim que devia ser. À medida que fui crescendo, até eu gritava para a minha mãe, exigia que ela me fizesse coisas. Adotei uma postura agressiva e só mais tarde, quando entrei numa relação séria, é que entendi que estava a fazer tudo errado.”

O que os pais fazem modela o futuro adulto que estão a criar

Como explica a psicóloga clínica Filipa Jardim da Silva, comportamento gera comportamento e aquilo a que as crianças assistem diariamente tem um grande impacto, mais do que qualquer doutrina que lhes possa ser vendida por um instante.

Pode uma relação sobreviver a um filho com necessidades especiais?
Pode uma relação sobreviver a um filho com necessidades especiais?
Ver artigo

"A coerência e consistência são dos elementos mais impactantes e poderosos numa educação: um pai a gritar com o filho para que ele fale mais baixo, seja de que idade for, não pode esperar que o filho realmente baixe o tom de voz”, explica a especialista. “Quando uma mãe discute aos gritos com o pai, não poderá surpreender-se se for chamada à escola porque a filha gritou e ofendeu uma colega numa discussão.”

Até um bebé tenderá a ser afetado por uma briga, pela tonalidade emocional que sente no ambiente"

Sobretudo quando o tema da discussão é de alguma forma relacionado com os filhos, as crianças facilmente se sentirão culpadas pela altercação. Filipa Jardim da Silva afirma que estas podem recear cenários como a separação dos pais, e “o medo e apreensão tenderá a manifestar-se em sensações físicas mais intensas e desconfortáveis”.

As idade das crianças também é um fator de grande importância, sendo que mesmo as mais novas podem ser afetadas pelas discussões dos pais. “Até um bebé tenderá a ser afetado por uma briga, pela tonalidade emocional que sente no ambiente”, explica a psicóloga clínica.

Segundo Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach, “já existiram diversas investigações que demonstraram, de forma consistente, que as discussões destrutivas e tensões mal resolvidas entre os progenitores têm impacto na saúde mental a longo prazo e no bem-estar da criança”.

A especialista acrescenta que os pais mais conflituosos tendem a ser mais agressivos para os filhos (seja de uma forma passivo-agressiva ou mais explícita através de agressividade verbal, psicológica ou física) e menos disponíveis para satisfazer as suas necessidades.

Uma criança entre um ano e meio e os três anos interpreta o que ouve de forma linear. Como salienta Filipa Jardim da Silva, se um dos pais gritar “odeio-te”, o filho vai reagir a isso como se fosse mesmo verdade. Em idades mais avançadas, as crianças vão achar que podem falar com os outros desta forma agressiva e, na adolescência, podem até replicar este padrão nas primeiras relações mais íntimas.

Este é um cenário em que Tomás se revê. O gerente de loja assume que ter visto os pais discutirem constantemente modelou a sua personalidade.

“Apesar de nunca ter procurado ajuda profissional recorrente, excetuando uma ou outra visita à psicóloga da escola, acho que eu próprio consigo perceber que o ambiente que se vivia em minha casa foi um fator para a postura mais agressiva que eu tinha.”

Tomás odiava ser contrariado, era uma criança e jovem mimado, exigia todos os brinquedos aos pais e, na adolescência, tornou-se muito agressivo. Os problemas com os colegas eram recorrentes, chegando à violência física, e os resultados escolares pobres.

“Crianças expostas a um conflito severo, de longa duração e contínuo entre os seus pais podem vir a tornar-se agressivas, hostis e violentas e em casos mais graves desenvolver uma baixa auto-estima, ansiedade, depressão e até pensamentos suicidas”, salienta a especialista, que acrescenta que a progressão académica tende a ser afectada, a par do desenvolvimento social e emocional das crianças.

As consequências num futuro relacionamento

“Tive a minha primeira namorada mais a sério com 19 anos. Estávamos na fila do cinema e, sem chegar a um consenso sobre o filme, disse algo como ‘vamos ver este porque eu quero’. Lembro-me que ela saiu do cinema sem me dizer mais nada. Numa conversa no dia seguinte, explicou-me que ninguém lhe falava assim e que eu devia estar mal habituado. O relacionamento não durou mais que uns meses, mas esse momento foi o suficiente para me abrir os olhos”, recorda Tomás.

Na vida adulta, os filhos poderão fazer uma identificação positiva ou negativa em relação aos pais, replicar um comportamento idêntico ou, pelo contrário, criarem aversão a discussões e conflitos”

Filipa Jardim da Silva concorda que esta é uma situação comum, dado que enquanto adultos, as crianças habituadas a verem certos comportamentos nos pais, podem imitá-los — e as relações amorosas não são exceção.

“Na vida adulta, os filhos poderão fazer uma identificação positiva ou negativa em relação aos pais, replicar um comportamento idêntico ou, pelo contrário, criarem aversão a discussões e conflitos”, salienta a especialista. “Existirão sempre marcas das suas vivências do passado que vão, provavelmente, refletir-se nas suas relações interpessoais, sobretudo as relações mais íntimas.”

Vida de madrasta. A luta contra o rótulo da bruxa má e os desafio de ser uma mãe sem de facto o ser
Vida de madrasta. A luta contra o rótulo da bruxa má e os desafio de ser uma mãe sem de facto o ser
Ver artigo

A psicóloga clínica recomenda que estas vulnerabilidades sejam bem processadas e organizadas, “para que as feridas fiquem realmente saradas e assim possa existir a segurança necessária em si mesmo e no outro para uma relação saudável”.

As discussões também podem ter um lado positivo

Como em muita coisa na vida, também as brigas podem ter o seu lado mais saudável — tudo depende dos temas e dos limites que se ultrapassam. E certas discussões dos pais podem ensinar valores fundamentais aos filhos.

“Quando os pais discordam sobre o restaurante onde vão todos jantar ou sobre uma compra no supermercado, não há problema algum em estas altercações serem acompanhadas pelas crianças —é até saudável e uma oportunidade para modelarem os seus filhos em situações de desacordo”, afirma Filipa Jardim da Silva.

A psicóloga explica que, nestes momentos, é possível mostrar aos filhos que é inevitável que surjam discordâncias entre as pessoas, mas que também é possível que cada uma se escute e que, com respeito, se negoceie, “mostrando como é que eles podem lidar com opiniões divergentes, seja com os pais ou com outras pessoas”.

É relevante que os pais se recordem que mais do que aquilo que os filhos ouvem, também conta muito o que os filhos sentem. Logo, de pouco servirá irem para outra divisão discutir de porta fechada e regressarem para junto da criança ainda num clima de tensão."

No entanto, Filipa Jardim da Silva reforça que os pais têm de se recordar que, a partir do momento em que têm uma criança ao seu cuidado, serão modelos de referência para esse filho e têm uma responsabilidade acrescida, devendo diferenciar discussões que podem ser tidas à frente das crianças daquelas que devem acontecer em privado.

Em temas como dinheiro, saúde ou até questões inerentes à relação conjugal, será importante que os pais optem por ter estas discussões longe dos filhos.

“Ainda assim, é relevante que se recordem que mais do que aquilo que os filhos ouvem, também conta muito o que os filhos sentem. Logo, de pouco servirá irem para outra divisão discutir de porta fechada e regressarem para junto da criança ainda num clima de tensão”, salienta a especialista, que concluiu que, independentemente do tipo de discussão, "a regra de se terminar uma interação mais tensa com alguma paz e respeito, a par de ninguém se deitar chateado são bons princípios geradores de uma dinâmica familiar saudável.”

As coisas MAGGníficas da vida!

Siga a MAGG nas redes sociais.

Não é o MAGG, é a MAGG.

Siga a MAGG nas redes sociais.