Numa época em que a sociedade está repleta de meios de comunicação que permitem, cada vez mais rápido, estar em contacto com outros, nunca foi tão fácil conhecer e esquecer pessoas. Abrem-se o Instagram, o TikTok, o Facebook ou até o Tinder e basta enviar uma mensagem, pedir para seguir ou "gostar" para que se possa estar em contacto com alguém. Ao mesmo tempo que isso acontece, as relações profundas tornam-se caminhos mais difíceis de encontrar. As redes sociais, as aplicações de encontros e, mais importante, a maneira como são usadas, têm cada vez mais impacto nas relações que vivemos: o ghosting, o haunting e o benching são só algumas das novas práticas que ganharam nome nos últimos anos, graças à sua visibilidade, e à maneira como as pessoas vivem as suas relações nesta nova era.

Ghosting: não é só o nome que é assustador, as consequências também o são

O termo ghosting é usado para descrever uma situação em que a pessoa com quem mantinha uma relação deixa de mandar mensagens, telefonar ou dar sinais de vida. Simplesmente desaparece, tornando-se num ghost (fantasma). Pedro Martins, psicólogo clínico, descreve esta prática como devastadora "e até cruel". "O ghosting está muito ligado à forma e à frieza com que os relacionamentos são construídos", acrescenta.

Na opinião do especialista isto acontece porque, hoje em dia, tudo se passa muito rapidamente e as relações são superficiais: "As relações precisam de tempo para se consolidar e as pessoas não lhe dão esse tempo. Assim, como não têm relações profundas, ligar e desligar-se [de alguém] torna-se relativamente mais fácil. Estas coisas sempre aconteceram, mas acontecem agora muito mais por causa das ferramentas que usamos (como as aplicações de encontros e as redes sociais)".

Guilherme, nome fictício, empresário de 29 anos, preferiu manter o anonimato para contar a sua história: admite ser do tipo de pessoa que deixa de responder às mensagens e desaparece sem dar explicação. Para ele, as pessoas são "como dois caminhos que se cruzam: quando começam a chegar perto um do outro começam a falar, quando se cruzam é o ponto alto da relação e, depois, da mesma maneira que chegaram perto, começam a afastar-se", explica.

A maioria das suas relações têm sido assim: conhece alguém, saem umas quantas vezes para tomar café ou jantar fora e, passados uns dias, falar com elas deixa de fazer sentido. "Simplesmente vou, conheço, experimento e, quando vejo que não é uma relação positiva, vou embora para não deixar evoluir mais uma relação que sei que não vai dar em nada. Por norma, também acontece aparecer outra mulher que nos chama mais a atenção. Então, se estou numa relação sem futuro e vejo ali outra que pode ter futuro, abandono com jeitinho. Só se a rapariga for muito obcecada é que não vai perceber o porquê [de ter deixado de lhe falar]".

Há estudos que dizem ser aceitável a prática de ghosting em algumas circunstâncias, como por exemplo nas relações curtas. Aí as consequências não são tão severas para as "vítimas" como quando se trata de uma relação longa. Foi esse o caso de Ricardo Lopes, estudante, 25 anos.

A sua vida mudou de um dia para o outro quando a namorada decidiu acabar com a relação que mantinham, sem o avisar: "Namorávamos há quase 2 anos. Tínhamos passado por uma fase menos boa na relação, mas com algum esforço conseguimos dar a volta. Passado umas semanas disso ela deixou de me responder às mensagens, não dizia absolutamente nada, eu ligava e ela não atendia. Liguei às irmãs para saber se tinha acontecido alguma coisa, porque não era normal, e elas apenas me diziam que ela depois falava comigo." Passado uma semana Ricardo continuava sem notícias da namorada. Desesperado, decidiu ir até casa dela, numa cidade que ainda ficava longe de onde morava. Tudo para a encontrar com outro rapaz: " Cheguei lá quando eram mais ou menos sete e meia da manhã e vejo-a chegar a casa com um rapaz e a despedirem-se com um beijo. O meu mundo caiu todo ali, naquele momento, porque a questão nem estava em ela querer acabar porque já não se sentia bem, mas simplesmente o deixar de me dizer alguma coisa".

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"As pessoas não são capazes de dizer que não"

Pedro Martins explica que esta é uma nova forma de lidar com as coisas "ou de não ter de lidar com elas", além disso, de alguma forma, também reflete uma certa imaturidade emocional. "As pessoas não são capazes de dizer que não", conta. Para alguns pode ser uma experiência devastadora, especialmente se estiverem fragilizados, no entanto, "se a pessoa estiver emocionalmente equilibrada, a certa altura vai conseguir encontrar uma resposta para a situação, nem que seja pensar que a outra pessoa enlouqueceu. Caso contrário fica arrasada e pode inclusive culpabilizar-se e ficar enterrada numa quantidade de porquês, sem conseguir sair da situação". Para além disto, o ghosting impossibilita também a reação da vítima: "Quando alguém é rejeitado, reage: pode sentir raiva, dor e exteriorizar esses sentimentos ao gritar, chorar ou chamar nomes. Nas relações mais profundas esse espaço é vital", continua Pedro acrescentando que é uma forma de processar a experiência, de perceber a perda e partir para outra.

Explica ainda que o “adeus” também é muito importante para que a pessoa possa seguir em frente: "O pôr um fim existencial à relação faz com que se possa iniciar o processo de luto daquela relação. A pessoa pode, a partir daquele momento, pôr fim a uma coisa e continuar a sua vida". No ghosting, tudo isto é negado à pessoa com quem se acaba a relação, o que provoca uma dor de uma agressividade imensa.

Haunting: quando se passa a ser assombrado pela pessoa que nos deixou

Se a sua relação acabou porque o outro desapareceu, sem perceber bem porquê, mas de repente ele voltou a pôr gosto em todas as suas fotos do Instagram e está sempre na lista de pessoas que vizualiza as suas stories, está a ser assombrada (haunted). O haunting é a nova prática que permite às redes sociais agirem como método de vigia: ele desapareceu sem dizer nada, mas continua a saber que existe. “As pessoas que fazem isso não conseguem nem afastar-se nem aproximar-se", afirma o psicólogo. Tudo isto também tem a ver com o facto de que, agora, todas as relações são muito mais superficiais e, sendo assim, as pessoas também têm facilidade em deixar, mas ao mesmo tempo nunca deixam verdadeiramente, e estão sempre atentas ao que a outra está a fazer, ou com quem anda a sair.

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Liliana (nome fictício), 26 anos e estudante, também passou pelo ghosting mas, depois disso, veio o pior: foi assombrada pelo rapaz que a deixou sem mais nem menos. "Ele desapareceu, deixou de me falar do nada, mas passava o dia a ver as minhas histórias no Instagram e punha sempre um "gosto" quando eu publicava uma fotografia", conta. Já não falavam, mas sempre que percebia que ele tinha visto a sua story no Instagram sentia que ele não tinha desaparecido da sua vida: "Sentia-me pressionada a pôr mais fotografias e a fazer mais videos para que ele reparasse em mim e talvez me viesse falar". Pedro Martins explica que "a pessoa que foi deixada fica num estado de vulnerabilidade e, aquilo de alguma forma pode parecer assombroso, mas ainda faz alguma companhia".

Phubbing vem da junção das palavras telefone (phone) e desprezo (snubbing). Assim até fica fácil advinhar do que se trata: o hábito de ignorar alguém, num ato social, enquanto se dá atenção ao ecrã do telemóvel. É uma prática cada vez mais comum e está a estragar relações. Estar constantemente a dar atenção ao telemóvel em vez de ouvir a pessoa que está consigo torna a relação mais distante. Um estudo publicado, já este ano, afirma que as pessoas que imaginavam estar a ser “vítimas” de phubbing durante uma conversa reagiram mais negativamente à interação do que aquelas que não imaginaram a prática.

Para além disto, a pessoa que pratica phubbing também sai prejudicada: este estudo diz que as pessoas que usam o telemóvel enquanto estão num jantar de amigos ou família  aproveitam menos a sua refeição e sentem-se menos ligados à conversa. Os phubbers são também, normalmente, vistos como menos educados e pouco conversadores.

Benching: ficar no banco da relação não é bom sinal

Embora também seja uma prática agressiva, é uma das mais consensuais: o benching é quase como deixar alguém de molho. Se conheceu uma pessoa, foi tomar café ou jantar algumas vezes com ela, no entanto não falam todos os dias e ela apenas lhe manda mensagens de vez em quando, preocupada se está tudo bem e interessada em combinar uma próxima saída, cuidado: à última da hora pode acontecer algum imprevisto e ela vai ter de desmarcar. Se isso acontecer mais do que uma vez pode ter a certeza que está a sofrer de benching.

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Nesta situação Pedro Martins acredita que "são ambas vítimas". "Não quero comparar porque são diferentes, mas o benching é um caso óbvio onde eu permito que a situação aconteça", explica. Tanto a pessoa que deixa a outra no banco, como a que se deixou lá ficar têm problemas emocionais: "As pessoas podem permitir que isso aconteça porque começam a sentir uma ânsia, e a partir de uma certa idade ainda mais, [em ter um relacionamento] e, portanto, não é fácil descartar uma  hipótese de relacionamento", e fica mais difícil quanto mais frágil a pessoa estiver.

Quando a pessoa está segura de si, mais rapidamente se afasta, e essas "conseguem exteriorizar o sentimento de estarem fartas de estar à espera, mas há outras que não o conseguem fazer". Depois disto gera-se uma dinâmica diferente na relação e a pessoa pode começar a pensar se disse ou fez alguma coisa errada, e se é por sua causa que o outro desmarca os encontros. "As pessoas vão-se culpabilizando e acabam por ficar presas e sentadas à espera que alguma coisa aconteça. Mas em última instância elas têm o poder de dizer que não", conclui o psicólogo. 

*texto publicado originalmente em 2018 e atualizado a 27 de outubro de 2022.

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