São 13 horas em ponto quando nos sentamos em frente de Sarah Wayne Callies. É terça-feira, 2 de fevereiro, e lá em baixo o bar da Pousada de Lisboa está bem mais agitado do que é habitual. Desde as 9h30 que chegam fotógrafos e jornalistas para entrevistar a atriz que ficou conhecida com "Prison Break" e "Walking Dead". 

Em Lisboa para promover a sua nova série, "Colony" (bem, mais ou menos nova, nos EUA já vai para a terceira temporada), cada meio tem apenas dez minutos com a atriz. Nem um minuto a mais.

Estamos a olhar para o relógio. A atriz de 40 anos traz um longo vestido branco, que lhe assenta confortavelmente no corpo. Tem um ar doce, simpático e, arriscamos a dizer, é ainda mais bonita na vida real do que no ecrã. Estamos encantados com a sua presença, com os seus movimentos delicados, voz melodiosa e sorriso educado. Talvez por isso tenhamos ficado ainda mais em choque quando percebemos que podemos ter ofendido Sarah Waybe Callies.

— Trazemos-lhe um desafio. Gostaríamos que ouvisse esta música e que a interpretasse.
— A interpretasse?
— Sim. Que usasse as suas expressões faciais para sentir a música.
— Não estou a perceber.
— Que usasse as suas técnicas de atuação para interpretar a música.
— Não sou um macaco.

À primeira pensamos ter ouvido mal. Só que Sarah Wayne Callies repete: "Eu não sou um macaco". Foi pena não termos a câmara virada para nós: poderíamos ter virado um meme famoso na Internet a ilustrar o que é entrar deveras em pânico. Meio a gaguejar, tentamos explicar que não queremos que a atriz dance pela sala. Apenas que sinta a música e que tente representá-la com o rosto. Ela trama-nos e responde: "Eu vou ouvir a música."

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E é o que faz. Com um dos auriculares no ouvido, começam a tocar os primeiros acordes da guitarra portuguesa que dá início à música "Povo Que Lavas no Rio", de Amália Rodrigues. Sem encenações, olhares dramáticos ou gestos exagerados, Sarah Wayne Callies deixa-se ir ao som da voz da fadista. E fica apaixonada. Verdadeiramente apaixonada.

"Eu cresci no Havai. Existe uma grande comunidade portuguesa no Havai, que veio para trabalhar nas fazendas de gado. E trouxeram a sua música", explica-nos a atriz. "A guitarra mesmo no início soa-me bastante familiar à música que ouvia enquanto crescia."

"Gostava de ganhar o mesmo do que os homens. Tornaria a minha vida muito mais fácil"

Depois de uma misteriosa invasão alienígena, a sociedade assiste à implementação de um novo sistema. É desta premissa que arranca a história de "Colony". Sarah Wayne Callies interpreta o papel de Katie Bowman, uma esposa dedicada e mãe de três filhos que vivia uma vida idílica. Pelo menos até à chegada dos invasores. Agora, ela colabora com  a resistência e luta para encontrar o filho desaparecido em Santa Monica.

Como é que este papel é diferente de outros que interpretou até agora?
Com todo o respeito pelos papéis que fiz antes, esta é a primeira personagem que foi escrita como sendo igual ao homem. Geralmente, a protagonista feminina é protagonista porque é casada com o protagonista masculino. O seu papel na história existe apenas para nos falar sobre ele — sobre a sua jornada, sobre a sua ética. Lori em "Walking Dead", por exemplo, não é ela própria. Ela existe na história para nos falar sobre Rick, para falar sobre Shane e para falar sobre Carl.

Isso não acontece em "Colony"?
Quando li o papel para "Colony", apercebi-me — nem sequer tinha consciência disso — que era a primeira vez que estava a ler uma personagem que era completamente igual ao homem. Que tinha o seu próprio universo moral, decisões éticas independentes das do marido. Ela era mãe, esposa, mas também tinha um negócio e era tão importante para a história como o protagonista masculino. De certa forma, é a primeira vez que interpreto um verdadeiro papel principal feminino. Penso que os outros eram papéis secundários. A televisão está a mudar, está a evoluir. Estava na altura de isso evoluir também.

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E a televisão está a evoluir? Acredita nisso?
Sim. Não está a evoluir tão rapidamente como muitos de nós gostaríamos. O meu salário não está a evoluir. Eu não ganho aquilo que o homem ganha, o que é uma pena porque apoio financeiramente a minha família da mesma forma. Penso que mereço um salário igual pelo meu trabalho. Estamos a trabalhar nisso. Mas as coisas estão melhores. Na última temporada de "Colony", a terceira, tivemos quatro realizadoras. Eu fui uma delas, o que foi ótimo. Nunca tinha trabalhado com quatro realizadoras em toda a minha carreira, portanto... estamos a chegar lá. Estamos a chegar lá. Devagar.

Porque é que ainda não chegámos lá? O que é que falta para sermos iguais aos homens?
Talvez seja da natureza humana ver as coisas a partir da sua própria perspetiva. As pessoas que detêm o dinheiro são praticamente todas do sexo masculino. Portanto, veem o valor do trabalho nas pessoas que são iguais a eles. Na sua opinião, as mulheres não vendem tantos bilhetes. Os factos dizem o contrário: se olharmos para "Jogos da Fome", o que Jennifer Lawrence tem feito, ou tudo o que Angelina Jolie tem feito. Mas é esse o sentimento. Há tão poucos papéis para as mulheres que muitas vezes elas aceitam o trabalho por menos dinheiro porque pensam que ou é isso ou nada. Enquanto tivermos maioritariamente homens a realizar, financiar e escrever, as mulheres vão continuar mal-representadas a todos os níveis. Mas estamos a começar a sair disso.

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Devagar?
Devagar, mas pela primeira vez na minha carreira acho que estamos a caminhar nesse sentido de forma definitiva. Se vamos ter igualdade na geração da minha filha ou da minha neta, não sei. Não sei. Gostava de ganhar o mesmo do que os homens. Tornaria a minha vida muito mais fácil.

E seria apenas aquilo que é justo?
Seria aquilo que é justo. Eu tenho de lutar por mim. Eu quero dizer: "Estou grata pelo trabalho". E estou, estou grata pelo trabalho. Mas acho que enquanto mulheres temos de dizer "estou aqui, vamos ser parceiros" em vez de "estou grata por estar aqui".

Porque os homens também estão gratos por estar ali?
[risos] E também estão a ganhar dinheiro.