À primeira vista, é relativamente fácil gostar de um narcisista. "São pessoas sedutoras, atraentes, com carisma e que se mostram extrovertidos, auto-confiantes e determinados — na aparência", explica à MAGG a psicóloga Rita Fonseca de Castro, da Oficina de Psicologia. "Quando estabelecem um objetivo são muito persuasivos pelo que, se estiverem interessados em se relacionarem com alguém, para sua própria gratificação, farão com que essa pessoa se sinta especial e desejada."

Os problemas surgem a seguir. Namorar com um narcisista é entrar numa montanha-russa de emoções, que de um modo geral termina rápido e mal. Alguém com uma personalidade narcisista tende a estabelecer relações de curta duração e superficiais, sempre focadas nos seus ganhos pessoais. Quem tem uma relação com uma pessoa com esta patologia acaba por investir tudo (sozinho) na relação, e só se apercebe verdadeiramente disso quando acaba, avisa Rita Fonseca de Castro.

Não podemos chamar narcisista a alguém que é vaidoso. É por aqui que devemos começar: o narcisismo é uma "perturbação de personalidade, com valor clínico e compromissos para o normal e adequado funcionamento do indivíduo." Tal como aconteceu na mitologia grega com Narciso, eles são totalmente focados em si e na sua imagem — podendo ou não acabar afogados como o filho do Deus do rio Cefiso e da ninfa Liríope.

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As 10 características de um narcisista

Segundo a psicóloga, os principais traços de personalidade de um narcisista podem resumir-se em 10 características:

1. Ambição

Os narcisistas são pessoas muito ambiciosas, que se sentem superiores/especiais e merecedoras de direitos também eles especiais e tratamento diferencial, com grande dificuldade ou mesmo incapacidade em compreender o ponto de vista dos outros.

2. Agem pelos ganhos

Definem os seus objetivos em função dos ganhos que vão obter dos outros;

3. Competitivas

São pessoas competitivas, sempre à procura de um lugar de destaque e com baixa resistência à frustração. É muito difícil que alguém atinja as expectativas de um narcisista;

4. Autoestima frágil

Ao contrário do que possa parecer, a sua autoestima é frágil, variável e vulnerável, motivo pelo qual procuram validação e aprovação externas permanentes;

5. Tratam os outros como inferiores

A grandiosidade (em fantasia ou comportamento), a autocentração, a crença de que são melhores do que os outros e que só alguém igualmente superior ou “especial” os poderá compreender, tratando os outros – “inferiores” – com condescendência ou desdém, também são características;

6. Têm de ser admiradas

São pessoas que se esforçam demasiado para serem admiradas, serem o foco da atenção e atrair os outros. Exageram ao falar sobre as suas conquistas, esperam reconhecimento mesmo quando tal não se justifica aos olhos dos outros;

7. Sem consciência das motivações

Estabelecem padrões irrealistas e não costumam ter consciência das suas próprias motivações;

8. Pouca empatia

A nível da empatia, têm muita dificuldade em reconhecer ou identificar as necessidades ou sentimentos dos outros; são excessivamente atentos às reacções dos outros, mas apenas se estas forem relevantes para eles; sobre ou subvalorizam o efeito que têm nos outros;

9. Sem interesse genuíno

A nível da intimidade, as relações são maioritariamente superficiais e existem para regular os níveis de autoestima; existe muito pouco interesse genuíno nas experiências dos outros;

10. Arrogantes

No contacto interpessoal, são pessoas que adotam uma postura arrogante, soberba, insolente e crítica, permanecendo centradas nos seus pontos de vista.

Como saber se está a namorar com um narcisista ou com um convencido

"Alguém que seja 'convencido', na medida em que se gaba das suas próprias características, ou que está 'completamente absorvido em si', é capaz de flexibilizar estas características." Por outras palavras, tem capacidade para reconhecer os seus erros ou para ver a realidade do ponto de vista do outro.

Os narcisistas simplesmente não são capazes disso. Eles não querem saber o que os outros pensam, nem nunca vão assumir que estão errados. Sentir remorsos também é algo que nunca irá acontecer. Isso pode ser exacerbado ao ponto de violarem as regras de conduta — "Consideram-se excecionais e, por isso, podem ser a exceção também no cumprimento das normas", explica Rita Fonseca de Castro.

Mudar comportamentos também é muito difícil. Na verdade, o desejo de mudança simplesmente não existe — eles não conseguem conceber que os seus comportamentos são errados. Assim sendo, porque é que haveriam de mudar?

É possível manter uma relação com um narcisista?

"Não é impossível manter uma relação com um narcisista, mas será um grande desafio e uma relação forçosamente desequilibrada."

Não é difícil gostar de um narcisista. Eles são apaixonantes, e se delinearem como objetivo ter determinado parceiro, não vão desistir até conseguir. O problema é que também perdem o interesse rapidamente. As suas relações são fugazes e superficiais, focadas única e exclusivamente nas suas necessidades e ganhos pessoais.

"Para estar numa relação com alguém com este tipo de funcionamento é preciso estar disposto a abdicar da expressão e satisfação das suas necessidades, desejos, opiniões, que serão na sua grande maioria ignoradas ou desvalorizadas."

Aceitar ter uma relação com um narcisista é também aceitar que irá dar muito mais de si do que alguma vez irá receber. Isto porque eles não investem emocionalmente no "nós", continua a especialista.

Então como é que é possível manter uma relação com um narcisista? Em primeiro lugar, quanto melhor se conhecerem as características deste tipo de personalidade, mais fácil será fazer ajustamentos de expectativas e comportamentos.

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"Por exemplo, aprender a forma como o outro vê o mundo e o que é mais valorizado por si, ajudará a prever as suas reacções e a poder agir por forma a alcançar os resultados desejados. Se, quando se deseja alguma coisa, se conseguir fazer parecer a um narcisista que a ideia foi sua ou o vai beneficiar, vão encontrar-se menos resistências."

Será mais fácil desta forma. Estabelecer um diálogo é praticamente impossível, uma vez que, lá está, ele não está interessado em saber o que é que o outro pensa ou sente. Também não lidam bem com a crítica, sendo uma forma fácil de entrar em conflito. Mais, eles podem mesmo assumir comportamentos mais agressivos quando contrariados.

"Numa relação com um narcisista dever-se-á perceber o que é mais valorizado e demonstrar afecto por essa via, as formas 'habituais' de expressão emocional não serão valorizadas. Um narcisista gosta de ser elogiado e considerado como fundamental e imprescindível."

Os narcisistas também se podem apaixonar?

"Esta é uma questão de difícil resposta, se considerarmos que um narcisista se encontra num estado de permanente paixão por si próprio." É claro que isto não é um amor real, uma vez que até se verificam défices de autoestima, mas devido à patologia é assim que se sente. Sendo incapaz de descentrar-se desse estado de paixão por si próprio, torna-se complicado entregar-se a outra pessoa, sublinha Rita Fonseca de Castro.

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Mas pode fazê-lo. Ou melhor, ele pode sentir-se apaixonado, ou achar que está apaixonado, no entanto as suas motivações nunca serão verdadeiramente altruístas. Voltamos ao mesmo: ele está mais motivado nos ganhos que aquela relação representa para si do que propriamente com o outro.

Como ultrapassar uma relação com um narcisista

Segundo a experiência da psicóloga Rita Fonseca de Castro, o fim da relação é vivido com grande frustração pelos pacientes. Sobretudo quando tomam consciência de que passaram o tempo todo a anular-se em função do outro.

"Em regra, existem grandes défices de autoestima e sentimentos de inferioridade — que lhes foram sendo incutidos de forma mais, ou menos, manipulatória."

Além disso, e tendo em conta que o narcisista tende a iniciar uma nova relação rapidamente, têm mais dificuldade em compreender o que se passou. Como é que eles podem estar a namorar novamente quando eu ainda estou num processo de luto e sofrimento?, perguntam-se.

Entrar numa nova relação também é extremamente assustador. "Têm receio de voltar a relacionar-se com alguém e que, à primeira vista, não consigam detetar que as características aparentemente atraentes possam ser indiciadoras de um nível de funcionamento patológico."

E se o narcisista sou eu?

Se está a fazer essa pergunta a si próprio, é pouco provável que seja um narcisista. "O reconhecimento deste tipo de personalidade e funcionamento é muito difícil de suceder. Quando um paciente com perturbação narcisista da personalidade recorre à psicoterapia é quase sempre pela presença de outro tipo de queixa — por exemplo, quadros depressivos ou, mesmo, ideação suicida, que surgem em consequência das dificuldades relacionais e situações de isolamento."

Ainda assim, só através da psicoterapia é que será possível compreender possíveis padrões de funcionamento disfuncionais e melhorar a qualidade das relações — apesar de as pessoas com esta personalidade serem muito resistentes à mudança de comportamento.