A história passa-se na Roma Antiga e acompanha Maximus (Russell Crowe), um general romano que depois de ser traído e ver a família assassinada pelo filho do imperador, regressa a Roma enquanto lutador para se vingar de todos os envolvidos no massacre."Gladiador" foi um sucesso de bilheteiras em 2000 e 18 anos depois continua a servir de inspiração para muitos realizadores.

Quem o diz é Nick Park, realizador de "A Fuga das Galinhas" e "A Ovelha Choné", com quem a MAGG conversou a propósito do seu mais recente projeto chamado "A Idade da Pedra", que estreou a 8 de março em Portugal.

"Um dos grandes receios que tive na concepção deste projeto foi o medo de não conseguir captar a emoção que um jogo de futebol desperta no público", revela Nick, que viu em "Gladiador" o exemplo perfeito de como focar a atenção para a plateia e para a mistura de sensações perante o espetáculo a que está assistir.

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Figuras de barro articuláveis, cenários coloridos em miniatura, mais de 200 fantoches, e uma história que junta homens das cavernas da Idade da Pedra num jogo de futebol pela sobrevivência contra os invasores da Idade do Bronze — não se preocupe: aqui nada é tão sério e dramático como em o "Gladiador".

Muito pelo contrário, há boa disposição e momentos de diversão para toda a família.

Os homens da caverna inventam o futebol

Produzido exclusivamente em stop motion, o filme acompanha a tribo de Dug que se vê em apuros com a chegada dos invasores da Idade do Bronze. Com equipamentos e armas sofisticadas, raptam os homens das cavernas e levam-nos para longe do vale onde viviam.

Dug, um rapaz ingénuo e otimista, desafia os invasores para um jogo de futebol na condição de serem libertados se ganharem. O problema? Dug e a tribo não sabem jogar, apesar de terem inventando uma espécie muito básica de futebol com um pedaço de asteróide redondo que tinha colidido com a Terra.

Para um filme de stop motion, são usados vários cenários em miniatura para as filmagens

"É a típica personagem que está sempre a cair mas nunca desiste de se levantar de novo. Além de acreditar que a tribo é capaz de caçar animais maiores, ainda desafia os invasores para um jogo de futebol, apesar de saber que não será uma tarefa fácil", diz o criador de Wallace e Gromit, que não nega que Dug seja um reflexo de si mesmo.

"Considero-me ingénuo e otimista, e acho que é isso que torna as minhas personagens tão reais: a facilidade com que nos relacionamos com elas."

Contudo, o realizador conta à MAGG que não gosta de pensar no tipo de público que pode ou não assistir aos filmes, precisamente porque prefere que estes sejam transversais a todo o tipo de idades. "A certa altura estamos cientes que o filme pode estar com um tom mais leve ou mais pesado, mas não é algo que controlemos exaustivamente", continua, dizendo que é isso que os torna mais apelativos e, em certa medida, reais.

Stop motion, figuras de barro e a autenticidade que trazem

Num mundo cada vez dominado pelo avanço das novas tecnologias, Nick deseja manter-se igual a ele mesmo e não fugir do stop motion e das figuras de barro que caracterizam grande parte do seu trabalho. As figuras, que começam como simples sketches e depois ganham vida e movimento através do barro, são utilizadas na filmagem frame a frame o que, diz o realizador, é um processo lento e aborrecido — por dia conseguem-se entre 2 a 3 segundos de filmagem, apenas.

"Apesar disso, estar numa sala de edição e ver tudo aquilo que desenhei ganhar vida é uma das sensações mais incríveis para um realizador de stop motion", continua, sublinhando que a autenticidade da arte é o que o mantém sempre na procura de novas ideias.

'A Idade da Pedra' contou com mais de 200 fantoches, cuidadosamente manipulados consoante as cenas

"Não sei se com CGI ou computação gráfica seria possível atingir o mesmo nível de expressividade que conseguimos com o barro, e é por isso que não faço questão de procurar a perfeição em nada do que faça", e adianta que muitas vezes incentiva os animadores a não limpar as impressões digitais dos bonecos, ou a pentear os cabelos das personagens, geralmente em pelo. São materiais reais que reagem ao toque. É natural que não estejam sempre perfeitos. E Nick prefere assim.

"No fundo, sinto-me um homem do barro, e gosto de mexer nas figuras, brincar com as sobrancelhas delas de forma a transmitir sensações consoante a cena, ou meter os braços em posições diferentes entre frames... não sei se com CGI seria a mesma coisa."

"A Idade da Pedra" e o poder da personagem feminina

Quando o Dug e companhia se veem em apuros por serem maus jogadores de futebol, encontram Goona. Uma destemida mulher da Idade do Bronze que é fã assumida do desporto e joga melhor que ninguém. Ela acaba por ajudar as personagens principais, treinando-as e ensinando-lhes todo o que têm de saber para conseguir derrotar os invasores.

"Apesar de o filme ter sido filmado muito antes do movimento #metoo, pareceu-nos natural ter uma personagem feminina forte e assertiva, até porque é para esse futuro que caminhamos, um que seja mais inclusivo e menos discriminatório", aplaudindo o surgimento do movimento contra a discriminação entre géneros, ainda que lamente os casos de assédio que têm vindo a ser noticiados.

"Toda a gente merece respeito e estas coisas têm de ser ditas, algum dia a bolha teria de rebentar", defende Nick que espera que "A Idade da Pedra" e a personagem de Goona seja também um reflexo dos tempos modernos, em que a desigualdade de género deve ser combatida e refutada.

Nick Park, realizador britânico e vencedor de 4 Óscares da Academia, acabou a promoção do filme em Portugal a 10 de março, na 18ª edição do festival MONSTRA. À MAGG, diz que depois de um projeto tão grande como este, o desejo é o "de voltar a algo mais pequeno, de preferência com três personagens", mas que ainda é cedo para pensar em novas aventuras.