Sabe o que os concertos dos U2, em Lisboa, ou o último dia do festival NOS Alive, em Algés, têm em comum? São eventos completamente esgotados. Mas para ambos já há bilhetes à venda em plataformas online a preços muito acima dos marcados nos ingressos. Mas são várias as pessoas que os compram ao dobro — ou mais — dos valores iniciais.

A lei é clara: quando o preço de revenda é superior ao valor estabelecido pelas promotoras de eventos, está-se perante o crime de especulação económica. Quem o diz é Daniel Reis, advogado e especialista em direito digital, com quem a MAGG conversou.

A denúncia às entidades competentes é incentivada, mas muitas vezes revela-se ineficaz e o crime acaba mesmo por ficar impune. Sandra Rodrigues, agente da Polícia de Segurança Pública na esquadra de Benfica, revela à MAGG que na lei está previsto o pagamento de multas ou pena de prisão, que pode ir dos seis meses aos três anos, para os infratores. As detenções, porém, só acontecem em situações de flagrante delito.

"Qualquer situação de revenda passa a crime assim que o valor pedido ultrapassar o original e, com isso, haja uma tentativa clara de gerar lucro próprio", continua, ainda que admite a dificuldade que muitas vezes existe para que se consiga identificar com sucesso este tipo de casos.

"Se não for uma situação cara a cara, em que a troca aconteça entre um vendedor e um agente da polícia à civil, a única forma de podermos investigar é através da denúncia, mas nem assim conseguimos garantir a apreensão do suspeito." Qualquer pessoa pode denunciar o crime de revenda e especulação enquanto testemunha ou lesado, bastando para isso deslocar-se a uma esquadra de polícia.

"A minha geração está arredada do poder. Na Direita, temos de olhar com atenção para os  mais novos"
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O processo é encaminhado para uma equipa de fiscalização que analisará o caso, mas diz Sandra que a credibilidade que é atribuída a cada queixa depende sempre do agente que receber a denúncia.

"Pode haver quem não anote as informações necessárias tal como o cidadão as transmite no ato da denúncia", o que acaba por retardar ou até mesmo impedir o processo de investigação. Ou casos em que o excesso de trabalho na esquadra dite que, naquele momento, aquela queixa não tem pernas para andar.

A ASAE instaurou no último ano 39 processo de contraordenação em ações de fiscalização a mais de 255 operadores económicos

Para a agente, não há dúvidas de que quem vende um bilhete em plataformas digitais incorre no mesmo tipo de crime que alguém que os venda à porta de salas de espetáculos ou estádios de futebol. A lei não distingue as situações e pune aqueles que o fazem. Mas nem sempre é assim tão fácil.

Daniel Reis admite não ter conhecimento do número de denúncias que posteriormente tenham conduzido a condenações, mas alerta para a necessidade de contactar a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) para a denúncia efetiva de situações de crime antieconómico que, "após feito o inquérito, é automaticamente transferido para o Ministério Público que tratará de dar seguimento ao caso."

Se a denuncia for feita por uma testemunha que se apercebeu de uma situação de revenda em plataformas online, a situação fica mais complicada: é que entre a denúncia e o início da investigação, os anúncios podem ser eliminados e o crime sai impune.

"Há todo um conjunto de fatores que podem contribuir para que a queixa muitas vezes se revele ineficaz", lamenta Sandra, que diz que o mercado secundário tem vindo a ganhar cada vez mais tração devido à falta de regulação e vigilância.

No OLX há bilhetes disfarçados de canetas ou lápis

Para combater a revenda ilegal de bilhetes, o OLX introduziu uma nova cláusula nos termos e condições do serviço. É agora proibida a listagem de bilhetes com preços acima do valor originalmente estabelecido pelas promotoras.

"O OLX adverte que a venda de bilhetes para espetáculos acima do seu preço facial, constitui crime de especulação, nos termos do artigo nº35 do Decreto de Lei 28/84, que enquadra os delitos antieconómicos.", lê-se na página oficial da empresa.

Ainda assim, esta medida não só é insuficiente como facilmente contornável. Os anúncios podem estar listados para troca e ter o preço visível na descrição do artigo, ao invés da posição de destaque que geralmente ocupa.

Mas há também casos em que os utilizadores disfarçam os produtos de maneira a despistar o sistema de deteção automática. "Vendo caneta Bic com grande valor sentimental, e ofereço ao comprador um bilhete para o concerto dos U2 no dia 17 de setembro, em Lisboa", é um dos anúncios disponíveis no OLX. O preço da "caneta"? 225€.

"Enquanto intermediárias, plataformas eletrónicas, como o OLX, Facebook, CustoJusto e similares, não estão obrigadas perante a lei a verificar o tipo de conteúdo que é vendido nos seus sites e, por isso, não são consideradas responsáveis", afirma Daniel.

No entanto, em caso de notificação judicial que alerte para práticas ilegais associadas ao serviço, estas são obrigadas não só a remover o conteúdo, como a procurar soluções eficazes de modo a impedir novos casos de futuro.

A falta de soluções impede uma resposta eficaz contra o crime

Este é um mercado difícil de regular, em parte devido à falta de interesse na procura de soluções reais que ataquem o problema. Uma das ideias propostas é a criação de bilhetes nominativos com o nome do comprador no respetivo bilhete, mas até isso se revela ineficaz e até mais problemático.

É que a ideia de comprar um bilhete e poder oferecê-lo a alguém assenta no conceito base de liberdade individual e, diz Sandra, contrariar isso é agravar o problema, e não combatê-lo.

Já são vários os concertos esgotados em Portugal que com a falta de regulação estão a gerar lucro indevido. "Infelizmente continua a haver um grande número de pessoas que apoiam este tipo de práticas e estão dispostas a pagar preços exorbitantes por espétaculos esgotados", lamenta a agente, que diz não ter dúvidas que enquanto a situação assim se mantiver, nada mudará.