Começou com denúncias ao fotógrafo Terry Richardson, em 2010, estendeu-se para os fotógrafos Bruce Weber e Mario Testino, em 2017. Em simultâneo, Hollywood deparou-se com uma série de escândalos relacionados com assédio sexual, desde Kevin Spacey, a James Franco e Harvey Weinstein. De repente, um grande número de pessoas da área da moda e do cinema, perderam o medo e contaram ao mundo aquilo por que passaram.

As consequências foram diversas. Fotógrafos deixaram de trabalhar para as revistas mais conceituadas, atores e produtores foram despedidos dos projetos em que trabalhavam na altura e até das próprias empresas.

Foi no seguimento destes acontecimentos que a Council of Fashion Designers of America (CFDA) e a The Model Alliance reuniram forças para criar zonas mais privadas na New York Fashion Week, para os modelos se vestirem, com a colocação de cabines.

Esta medida faz com que os modelos fiquem mais protegidos em relação aos fotógrafos e às pessoas que entram no backstage, que muitas vezes nem sequer pertencem à organização.

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E em Portugal? Existe este tipo de preocupação?

Segundo Luís Pereira, Diretor de Casting e Coordenador de Bastidores da ModaLisboa, por cá, esta medida já foi aplicada há alguns anos. "Há muito tempo que tenho essa preocupação e, por isso, exigi que fossem criadas áreas com maior privacidade para os modelos", explica.

Uma das 4 cabines do backstage da ModaLisboa

Nestas áreas, chamadas de cabines, cada criador tem a sua cabine e cada uma tem um chefe. E é nesse espaço que todos os modelos, femininos e masculinos, se vestem para esse criador. Há, muitas vezes, uma separação entre modelos e fotógrafos, mas não há uma separação de género. Nem vai haver, segundo Luís Pereira. "Só se for obrigado. Não concordo que estejam separados. Estão todos a trabalhar para o mesmo e têm quase todos a mesma idade", afirma.

Paulo Gomes, ex-diretor de Casting da ModaLisboa, apesar de também ter tido essa preocupação durante os 19 anos em que desempenhou funções, acha que "tudo isto" um pouco "exagerado". "Moda envolve sedução. E muitas vezes, a sedução é confundida com assédio", explica.

Nos bastidores da ModaLisboa, são permitidos fotógrafos e imprensa, no entanto, de acordo com Luís Pereira, apenas os fotógrafos e operadores de câmara contratados pelos criadores, podem entrar nas cabines. O chefe de cabine, além de outras funções, tem também o papel de controlar o quê e quem é fotografado, e garantir que a imprensa não entra.

O interior de uma das cabines, onde os modelos se vestem

Apesar de em Portugal não estarmos a ser inundados de denúncias de assédio, como nos Estados Unidos, as medidas têm vindo a ser tomadas, talvez como prevenção. A MAGG falou com vários modelos nacionais e a opinião geral é a mesma — preferiam ter espaços mais privados para se vestirem ou, pelo menos, ter os homens separados das mulheres. No entanto, todos assumem que faz parte da sua profissão e que não há nada que possam fazer.

"Claro que o ideal seria termos um espaço onde nos pudéssemos vestir mais à vontade, com a certeza de que não estariam homens ou fotógrafos presentes, mas sei que não funciona assim. Já me habituei e hoje já nem me faz confusão. Acho pior para as modelos mais novas de 14 ou 15 anos", diz à MAGG Andreia Contreiras, modelo há cerca de 10 anos. Ainda de acordo com a manequim algarvia, Portugal é um bom exemplo relativamente a este tema. "Cá existe bastante respeito pela privacidade das modelos. No estrangeiro não é assim. Assumem que tens que te despir e vestir em qualquer sítio e, se tiveres alguma coisa contra, és considerada diva", afirma.

Jani Gabriel, modelo e apresentadora, contou com o apoio e acompanhamento incondicional dos pais desde o início da carreira, aos 14 anos, o que, segundo a própria, a ajudou a que nunca tivesse passado por nenhuma situação mais desconfortável. "Cheguei a ter os meus pais comigo no backstage e em viagens. Este apoio foi, sem dúvida, muito importante para mim e para a minha carreira. Quem não o tem, da parte dos pais ou da agência, está mais vulnerável a situações mais constrangedoras."

Vera Moreira Rato, ex-modelo e atual booker da Just Models, lembra-se da sua primeira ModaLisboa, aos 16 anos. "Quando cheguei aos bastidores, perguntei onde podia ir para me vestir sozinha. Riram-se, claro". Apesar de nunca ter passado por nenhuma situação explícita de assédio, chegou a ter alguns trabalhos onde sentiu algum abuso de poder sobre as modelos.

O papel da agência acaba por ser muito importante no que diz respeito à proteção dos modelos. E, para isso, Vera garante que há sempre um booker a acompanhar os modelos nos bastidores e em todo o processo de contratação. "Uma das nossas regras na Just é não deixar que haja contato direto entre o fotógrafo e o modelo, para evitar situações que possam sair do nosso controlo", afirma.

A MAGG recebeu ainda o testemunho de um modelo masculino nacional que contou algumas situações de assédio pelas quais passou. Chegou a ser convidado para jantar por um fotógrafo, recusou e o trabalho já marcado com esse mesmo fotógrafo acabou por ser cancelado. Situação que aconteceu mais do que uma vez. Apesar de o modelo se ter decidido a dar a cara para denunciar estas situações, acabou por pedir à MAGG que o seu nome não fosse revelado, por recear não voltar a ser chamado para outros trabalhos.

A ModaLisboa acontece nos dias 9, 10 e 11 de Março, no Pavilhão Carlos Lopes, e a MAGG vai lá estar a acompanhar. Fique atento ao nosso Instagram.

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