As relações têm crises. É a única certeza que temos: mais tarde ou mais cedo, com maior ou menor intensidade, os casais são obrigados a lidar com problemas. Há quem acredite que isso pode surgir em qualquer altura, outros acreditam em teorias científicas e em números do diabo associados a crises, como a crise dos três anos, a crise dos sete anos, a crise dos onze anos.

Mas será que faz sentido falarmos em datas para as crises nas relações? A MAGG falou com três mulheres que atravessaram problemas graves nos seus relacionamentos nestas alturas específicas. Depois, fomos validar estas teorias com uma psicóloga e uma psicóloga e terapeuta de casais.

Crise dos 3 anos. “Era raro estarmos sozinhas”

Em maio do ano passado, Mafalda (nome fictício, já que pediu anonimato) pegou nas suas coisas e saiu de casa. Os acontecimentos das últimas semanas tinham-se precipitado de tal forma que parecia não haver outra alternativa. Depois de dois anos e sete meses de namoro com Raquel (nome fictício), parecia que o fim era definitivo. Olhando para trás agora, Mafalda, 23 anos, consegue perceber quando é que tudo começou. Naquela altura, porém, nenhuma delas tinha consciência do que estava prestes a acontecer.

“Era raro estarmos sozinhas”, conta à MAGG Mafalda, que trabalha na área da comunicação. “Os nossos planos incluíam sempre outras pessoas, o que foi totalmente inconsciente. Se queríamos jantar fora, a primeira pergunta era: ‘Quem é que vamos convidar?’.”

— Comunicação assertiva, isto é, expressarem os seus sentimentos mas sem nunca atacarem o outro;
— Capacidade de perdoar;
— Criar momentos que não sejam apenas funcionais (dar banho ao filho, ir ao supermercado);
— Voltar a elogiar;
— Construir um projeto em comum;
— Pensar em si. É importante que cada membro da relação esteja bem com ele próprio porque, quando isso não acontece, tendem a descarregar no outro.

Naquela altura, Mafalda sentia que existiam algumas coisas que não estavam bem na relação, mas não falava sobre isso. Acabava sempre por concluir que só podiam ser coisas da sua cabeça, que estava (tinha de estar) tudo bem. A comunicação existia, no entanto era mal direcionada — falavam sobre as banalidades do dia a dia, das contas, da casa, dos gatos, até dos problemas de terceiros. Mas nunca sobre elas.

Quando Mafalda teve um problema familiar com o qual não soube lidar naquele momento, sentiu que aquela relação não a estava a ajudar. Talvez estivesse na altura de se descobrir, de ficar sozinha para encarar aquela dificuldade. Assim foi. A rutura, no entanto, não foi imediata: entre dormidas no sofá ou em casas de amigos, foram-se afastando gradualmente. “Não houve uma conversa do género: ‘Eu preciso de um tempo, preciso de estar sozinha’. Até que um dia ela perguntou-me se tinha acabado e eu respondi que sim.”

Nas duas semanas seguintes, o problema de Mafalda resolveu-se. Mas a relação parecia ter terminado. “Tínhamos um acordo: eu iria sair dali a um mês para me dar alguma estabilidade financeira para ir para outra casa.” Antes que essa data chegasse ao fim, porém, Mafalda descobriu que Raquel se tinha envolvido com outra pessoa. Nesse momento, pegou no essencial e saiu.

“Um dia, já no final de maio, liguei-lhe por uma questão qualquer relacionada com a casa e apercebi-me de que ela estava com outra pessoa ao lado. Eram para aí 8 horas. Eu estava a trabalhar e, no final do dia, dei por mim na rua da nossa casa. Liguei-lhe e disse: ‘É hoje, tenho de tirar as minhas coisas’.”

Quando entrou em casa, Mafalda ficou em choque. “Havia roupa no meu armário que não era minha, uma escova de dentes que não era a minha, um computador na minha secretária que não era o meu. Tivemos uma discussão enorme. Ver aquilo fez-me pensar que não era aquilo que queria.”

Mafalda também tinha estado com outra pessoa, mas rapidamente percebeu que não era aquilo que queria. Agora que via o seu lugar ocupado, o sentimento era ainda mais forte. “Dormi lá nessa noite e, no dia a seguir, ela acabou tudo com a outra pessoa. Nas duas ou três semanas a seguir é que tomámos consciência do mal que tínhamos feito mal uma à outra. Partilhámos opiniões, falámos de coisas que já se tinham passado há meses, tomámos consciência de situações em que devíamos ter falado e não o fizemos.”

E o que é que mudou depois desta crise? Tudo. Os momentos a dois passaram a ser essenciais, assim como o falar sobre os problemas. “Sempre falámos muito, mas fugíamos a alguns assuntos inconscientemente. Agora não esperamos que a outra pergunte se está bem ou não, dizemos o que sentimos no momento. Falamos durante dez ou 20 minutos, duas horas, o tempo que for preciso até o assunto ficar resolvido.”

Mafalda não tem dúvidas: saiu muito mais forte desta crise. “Quando estás há muito tempo numa relação com uma pessoa, pões tudo em causa. Incluindo a ti própria. Acho que o facto de as duas termos estado com outras pessoas ajudou a perceber que gostávamos mesmo uma da outra. Se eu não o tivesse feito, se calhar estava a bater com a cabeça na parede a perguntar-me se era mesmo feliz ou se não haveria melhor. Na verdade, matou-me a curiosidade no geral. Estava a construir algo tão bonito com outra pessoa…”.

Crise dos 7 anos. “Ainda estou nesta crise. Já lá vai mais de um ano”

Telma e Pedro (que também pediram para não serem identificados, por isso optamos por nomes fictícios) começaram a namorar em 2009. Nunca tiveram grandes crises embora, como qualquer casal, tivessem os seus problemas. Foi assim até 2016, quando de repente as suas vidas se alteraram por completo. Quando a lisboeta de 27 anos se tornou sócia de uma loja de animais, teve finalmente as condições financeiras para arrendar uma casa. E não demorou muito a incluir o namorado na nova morada.

“Eu estava cheia de trabalho, e ele na altura só estudava à noite. Havia dias em que eu chegava a casa e ele ainda estava a dormir. Além disso, entrámos numa rotina.”

O facto de terem começado a passar tanto tempo juntos também pode ter contribuído para a crise. Antes disso, tinham passado três anos em que Telma estudava nas Caldas da Rainha e Pedro em Lisboa, portanto só se viam aos fins de semana.

“Nós sempre nos demos bem. Estas alterações nas nossas vidas é que mudaram as coisas. Começaram as discussões, ele começou a perder a paciência. Eu também o chateava muito, e se antes ele fingia que não era nada com ele, agora já não é assim.”

Telma admite que não sabe se vão conseguir ultrapassar esta crise, que ainda perdura. Já não estão a viver juntos, Pedro está a trabalhar, mas as coisas foram-se alterando. Só tem uma certeza: “Sei que vamos continuar a ser sempre os melhores amigos.”

Crise dos 11 anos. “Combinámos que ele ia sair de casa em setembro. Quando chegou a hora, olhámos um para o outro e demos um abraço. Não era possível”

“Sabe o que é engraçado? Quando falei consigo a primeira vez, achava que não existiam datas para as crises nas relações. Mas agora tenho uma visão completamente diferente: há um rigor quase matemático nas datas em que as minhas crises aconteceram. De facto batiam certo: sete e onze anos.”

Andreia Lourenço está casada há quase 21 anos — vai celebrar o aniversário a 11 de maio. Aos 41 anos, a formadora de inteligência emocional para grávidas vive em Lagos com o marido e os três filhos. Não se recorda de uma crise quando fizeram três anos de namoro, mas lembra-se bem que coincidiu com uma fase de transformação para o casal: foi quando ambos terminaram o curso e entraram no mercado de trabalho.

“Já morávamos juntos mas foi uma fase em que crescemos muitos e caminhámos em direção a uma independência total. Não senti como crise, mas foi uma grande transformação que sofremos enquanto casal.”

Dos problemas que atravessaram quando fizeram sete anos de relação, porém, recorda-se perfeitamente. Não foi tão grave como a crise dos 11, mas também foi uma fase complicada. Grávida do segundo filho quando o primeiro tinha apenas um ano, Andreia Lourenço sentia-se exausta. “O meu marido trabalhava imenso e eu sentia-me muito cansada. Sentia muito a falta de apoio. Eu percebia a perspetiva dele, o trabalho era necessário para estabelecer as finanças da família, mas eu estava muito cansada.”

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Mãe de uma rapariga e dois rapazes, com 15, 14 e 5 anos, a algarvia, natural de Portimão, fez sempre questão de parar durante três anos após o nascimento de um filho. Nessa altura, porém, a falta de independência financeira trouxe alguns problemas. “O dinheiro, que nunca tinha sido um factor-chave entre nós, passou a ser uma fonte de discussão. Foi um dos fatores que contribuiram para a crise, mas não foi o principal. Eu sentia-me só cansada.”

Com muito diálogo, a crise acabou por ser ultrapassada. “Ele é um pai excecional, muito carinhoso, e só não estava mais presente porque de facto não estava cá em casa. Mas ele percebeu o meu ponto de vista e tentámos adaptar-nos. Quando o meu segundo filho nasceu as coisas naturalmente tomaram o seu rumo normal.”

Até que veio a crise dos 11 anos. Estávamos em 2009 e, de repente, a vida do casal parecia ter sido tomada de assalto por um vendaval. “Veio tudo ao de cima. Todas as brigas que eu pensava que já não estavam a fazer mossa, tudo o que ele tinha feito no passado e que me tinha magoado…”.

Acima de tudo, Andreia Lourenço precisava de tempo para se redescobrir. “Foi como se eu e ele estivéssemos tão próximos que eu já não sabia quem era.” Durante esta crise, que durou um ano, a algarvia voltou a dançar, a passear sozinha na praia, a viajar a solo, tudo coisas que tinha deixado de fazer. Em março, decidiram separar-se, mas adiaram as coisas até maio. De repente já estavam em junho e, como viviam em Lagos, arranjar casa não era uma opção com a subida drástica dos preços.

“Combinámos que ele ia sair de casa em setembro. Quando chegou a hora, olhámos um para o outro e demos um abraço. Não era possível.”

Costumo dizer que uma relação é como andar de bicicleta. Às vezes um deixa de pedalar e a bicicleta fica desequilibrada. Nesta crise dos 11 anos, nenhum de nós teve coragem de sair na bicicleta. Mas nenhum de nós queria pedalar."

Apesar de nunca terem deixado de viver juntos, durante os últimos meses Andreia Lourenço e o marido tinham vidas completamente separadas. Nunca chegou a haver terceiras pessoas envolvidas, mas emocionalmente tinham-se desligado. “Estávamos os dois muito cansados e precisávamos os dois do nosso tempo.”

“Costumo dizer que uma relação é como andar de bicicleta. Às vezes um deixa de pedalar e a bicicleta fica desequilibrada. Nesta crise dos 11 anos, nenhum de nós teve coragem de sair na bicicleta. Mas nenhum de nós queria pedalar.”

Quando tomaram a decisão de continuar a pedalar juntos, porém, a crise foi ultrapassada. E, tanto enquanto casal como enquanto pessoas, saíram muito mais fortes e felizes.

“Eu voltei a fazer as coisas de que gostava, ele também. A experiência que tenho estando casada há 20 anos é que é bom ter experiências a dois, são fundamentais, mas também temos de ter experiências individuais, de ser felizes sozinhos. Depois então vamos partilhar a nossa felicidade com o outro.

Afinal há datas para as crises ou não?

Ana Marques, psicóloga e terapeuta de casais na Clínica Psicologia Lisboa, não tem dúvidas: há um estereótipo associado às datas. “Na realidade, as crises não têm anos nem horas marcadas. O que pode acontecer é a relação chegar a pontos fulcrais, digamos assim — o casal estabilizar e portanto entrar numa certa monotonia; o nascimento do primeiro ou do segundo filho.”

Ana Passarinho Sousa, psicóloga clínica e psicoterapeuta infantil na Psichome, também não tem dúvidas: crises nas relações por datas são um mito. “Depende muito dos casais, da forma de estar das pessoas, da maturidade, da fase em que se encontram, da capacidade de comunicação.”

Quando propusemos que falasse sobre este tema, a psicóloga fez um pequeno exercício: perguntou aos casais que recebeu no consultório nos dois dias a seguir se eles achavam que existiam datas para as crises. “Eles também consideram um mito. Acham que depende muito da comunicação e da abertura que têm face às situações. Alguns casais notam que com o passar dos anos as crises vão sendo mais frequentes, outros o contrário.”

O primeiro grande obstáculo que o casal pode atravessar é quando acaba a fase de descoberta. “Normalmente os casais têm dificuldade em ser criativos. Os trabalhos são difíceis de contornar, é quase preciso pôr na agenda que é preciso namorar”, explica Ana Marques. “A desculpa é sempre ‘estou cansada’, e de facto estão. Mas se for uma nova relação, o cansaço parece-se que se dilui. Não é tanto o cansaço, portanto, é mais o desinteresse e falta de excitação.” Para contornar isso, é preciso contornar a monotonia.

Na opinião de Ana Passarinho Sousa, “o primeiro grande teste é quando o casal vai de férias pela primeira vez.” Uma coisa é estarem um bocadinho duas, três ou quatro vezes por semana, outra coisa é passarem uma semana inteira juntos. No final, porém, tudo se resume à comunicação. Seja quando o casal ainda está a descobrir-se ou quando há uma mudança de trabalho, seja porque veio o primeiro filho ou porque um dos membros do casal está a atravessar uma depressão. As variáveis que podem originar uma crise são muitas — depois tudo depende da forma como se comunica.

Então e o que é que origina uma crise? Nas palavras de Ana Passarinho Sousa, uma relação é um triângulo com um eu, tu e nós. “ Às vezes há um que se anula e outro que se sobrepõe. Quando o problema não é trabalhado a tempo, há uma crise.”

Como distinguir uma crise de uma rutura

“Penso que existem sinais fisiológicos e dos próprios membros do casal que são muito claros quando uma pessoa deixa de gostar da outra. Faço sempre estas perguntas na terapia de casal: gostam um do outro? Existe carinho? Se não existe esse sentimento, não vale a pena insistir”, explica Ana Marques.

Ela até pode reclamar porque ele ressona. Ele pode ficar chateado com o barulho que ela faz de manhã a arranjar-se para sair. De repente, pequenos gestos que nunca antes tinham sido notados representam um problema. “Isto podem ser só crises do momento. O que é importante perceber é se a pessoa não quer ir ter com o outro. Se pensa: ‘Que chato é ter de ir ter com ela ou com ele’; se começa a sentir uma certa repulsa por estar com a outra pessoa; se a intimidade é um esforço. Se assim for, em princípio o casal não está em crise — está em rutura.”

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Na opinião de Ana Passarinho Sousa, “ruturas são evitadas se as crises forem antecipadas e compreendidas. As crises até podem fortalecer a relação e fazer com que o casal se torne mais completo.” E vai mais longe: “Costumo dizer no consultório que às vezes na vida, quando se apresenta uma curva, pensamos que pode ser o fim. Na realidade pode ser só uma mudança de trajetória.”

É uma questão de perguntar quais são as motivações e vontades do casal. Querem superar a crise e continuar juntos? Ou já não aguentam mais e querem desistir?

“A dor faz parte da vida. Mesmo em alguns hospitais já existem consultas da dor. Uma crise é feita de dor. O que marca a diferença é a forma como lidamos com o sofrimento.”

Ana Marques é da opinião que os casais têm cada vez mais crises. “As pessoas vêm com problemas que têm a ver com a relação, mas não são graves. Antigamente o que tínhamos mais eram casos relacionados com a infidelidade. Hoje em dia estão mais relacionados com a dificuldade de lidar com o ego, a profissão, a maternidade e a paternidade. Existem mais crises porque as pessoas exigem mais, querem ser felizes e estar bem. Aquilo que tentamos fazer com a terapia de casal é fazer com que eles entendam que não precisam de se separar par serem mais felizes. Podem conseguir tudo aquilo que querem um com o outro.”