Desengane-se quem pensar que a Banda Desenhada é exclusiva do universo masculino. Nada disso, elas também se interessam pelo mundo dos quadradinhos, que de quadrado nada tem. Os muitos anos de experiência de Mário Miguel de Freitas e Paulo Costa, fundadores de duas das maiores lojas de BD e pop culture em Lisboa — Kingpin Books e BdMania—, dizem-lhes que a procura por parte das mulheres destes álbuns e livros tem vindo a aumentar. Os dois garantem que elas cada vez mais compram e apreciam todo o tipo de produtos ligados a este universo, como figuras e estatuetas de algumas das personagens mais icónicas de obras consideradas de culto.

As mulheres não só gostam de BD como se dão ao trabalho de incutir nos filhos esta paixão, como acontece com as três mulheres, duas ilustradoras e uma professora com quem a MAGG conversou.

O início do amor platónico pelo universo pop

Angélica, mãe, professora e nerd, diz que a paixão começou com as aventuras de Astérix

Angélica Varandas, professora de Cultura Medieval e Ficção Científica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e mãe de Filipe com 15 anos, e Inês com 19 anos, conta à MAGG que a paixão pela pop culture "começou muito cedo através de obras de banda desenhada franco-belgas, como o 'Astérix' ou 'As Aventuras de Tintim'." O valor da BD está na forma como permite "uma reflexão acerca do mundo e das inquietações que nos afligem", motivada em parte pela época conturbada em que vivemos, que nos faz desejar pela chegada de um super-herói que nos "salve dos maus."

Já Sara Osório, ilustradora e autora da página Sara-a-dias, onde partilha tiras ilustradas referentes às peripécias diárias de que é protagonista, explica à MAGG que o mundo da ilustração sempre a fascinou, muito devido aos desenhos animados que passavam na televisão, como "A Turma da Mónica" ou o "Tio Patinhas" e que, mais tarde, a levavam a "desenhar várias das personagens" que idolatrava.

Sara revelou em 2015, através da ilustração, que a chegada de Salomé estava para breve

Sara, que se serviu da sua página de Facebook para anunciar a gravidez da filha, Salomé, reconhece a facilidade com que utiliza a ilustração para a transmissão de ideias: "É um passo natural, e é-me muito mais fácil pegar num lápis e desenhar, do que sentar-me em frente ao computador e escrever sobre aquilo que quero dizer."

Não tem dúvidas de que a BD "pode aguçar o lado criativo e imaginativo, além de permitir excelentes definições dos princípios e valores que ajudem os mais pequenos a distinguir o que é bom do que é mau."

Da mesma forma, Ana Granado, ilustradora e autora da página Diário de uma mãe ilustradora, utiliza o desenho para partilhar os momentos que vive com os quatro filhos em forma de pequenos sketches com uma dose de humor à mistura. A influência, revela à MAGG, decorre de um primeiro contacto com o livro "Cyanide and Happiness", onde desenhos muitos simples produziam "comédia com situações do dia-a-dia num bom exercício de síntese e humor."

Ilustração feita por Ana especificamente para este artigo

A influência direta (ou indireta) nos filhos

Salomé fará dois anos em março, mas Sara já imagina a filha a seguir os passos da mãe na área da ilustração. Desde muito pequenina que Sara lê histórias de livros ilustrados à filha e, assegura, que quando ela for capaz de ler autonomamente, "a banda desenhada será uma das primeiras recomendações", não só por considerar uma boa forma de lhe incutir o gosto pela leitura, mas também pelo valor da imagem enquanto transmissora de informação e sensações.

Sara e a filha Salomé

"Com menos 'paciência' para as letras, as imagens têm um papel fundamental", diz Ana, por achar importante que os mais novos tenham, desde muito cedo, contacto com obras de banda desenhada. Não só se combate o preconceito que existe, e que erradamente leva a que se classifique este género como literatura menor, como se incentiva a formulação de ideias e a procura de soluções interessantes para problemas complexos. Estimula-se "a pensar fora da caixa e a olhar o mundo com outros olhos", conclui.

Com Angélica a situação é relativamente diferente: os filhos já não são pequenos e "têm menos paciência para as recomendações" da mãe. Mas faz-lhes sempre sugestões, em parte porque gosta de partilhar este gosto, quer que eles sintam a mesma experiência que ela sente quando vê certas séries ou lê determinados livros. "É uma ação totalmente natural e nada forçada. Como eu gosto tanto de certas obras, quero que eles tenham a mesma experiência."

Corro as lojas todas e pergunto aos meus filhos se não gostavam de ter um Jabba the Hutt, mas na verdade estou a pensar em mim. Tento sempre entusiasmá-los primeiro para que fiquem a gostar e depois me ofereçam no Natal ou no dia do meu aniversário. Na verdade, acabo por comprar para eles e para mim porque todos lá em casa gostam do mesmo.

Elas preferem obras mais adultas do que superheróis

Ana e Sara dizem conhecer algumas das lojas mais importantes de BD em Lisboa mas, admitem preferir espaços como a Fnac ou fazer as encomendas online por uma questão de conforto e facilidade. Já Angélica, diz adorar a BdMania e a Kingpin Books pela "quantidade assombrosa de banda desenhada e figuras" que lá se vendem. "Perco-me lá dentro de tão fantástica que é", continua, referindo-se à Hyper Toys, uma loja focada no comércio de figuras e estatuetas de filmes e séries. "Corro as lojas todas e pergunto aos meus filhos se não gostavam de ter um Jabba the Hutt, mas na verdade estou a pensar em mim. Tento sempre entusiasmá-los primeiro para que fiquem a gostar e depois me ofereçam no Natal ou no dia do meu aniversário. Na verdade, acabo por comprar para eles e para mim porque todos lá em casa gostam do mesmo".

Morada: Rua Quirino da Fonseca, 16-B, Lisboa

Telefone: 217 950 476

Horário: 11h-20h, 10h-19h ao sábado, fecha ao domingo

Mário Freitas, fundador da Kingpin Books, garante que o público "está muito mais diversificado" em comparação com a década de 90, em que as raparigas liam muito pouco de Banda Desenhada. A mudança de paradigma, diz, "aconteceu precisamente com o aparecimento de obras mais alternativas e mais adultas, o que fez com que houvesse um público feminino muito forte a apostar neste universo."  A diversidade também existe naquilo que cada um compra. Hoje em dias as preferências são transversais a qualquer género. Claro que pode haver casos pontuais em que certas obras sejam preferidas por homens ou mulheres, mas regra geral, e na esmagadora maioria dos casos, tanto rapazes como raparigas consomem o mesmo tipo de produtos, sejam eles banda desenhada, figuras, estatuetas ou similares.

Tiago Rodrigues, colaborador da Kingpin Books, revela à MAGG que são muitas as mulheres a visitar o espaço e que são elas as que mais se disponibilizam a aceitar novas sugestões. Desde a contratação de Ana Martins, adianta, "passou a haver um maior à vontade entre mulheres mais introvertidas e os responsáveis da loja que, antes da chegada da colega, não existia." 

Ana reage com naturalidade e afirma haver "também uma proximidade geracional" entre os visitantes da loja., o que juntamente com a sua perspetiva e "olhar feminino acerca das novidades que vão sendo lançadas no mercado", acaba por servir como mote para quebrar o gelo durante as conversas com os visitantes.

Paulo revelou à MAGG que grande parte do público feminino prefere conteúdo mais alternativo

Paulo Costa, da BdMania, reforça a ideia de que além das figuras e de todo o merchandising disponível no espaço, o público feminino prefere "trabalhos mais alternativos e adultos", e identifica alguns livros das linhas "Vertigo" e "Image", como sendo os principais impulsionadores de conteúdo irreverente e interessante.

Alguns exemplos como "Saga", "V for Vendetta" ou "Paper Girls" têm atraído muito púbico feminino às lojas. "Regra geral", continua, "trabalhos que envolvam super-heróis são quase sempre preferidos pelos homens, o que não significa que não exista um grupo mais restrito de mulheres a consumir."

O boom da cultura pop

Mário Freitas, da Kingpin Books, diz que se assiste a um boom na cultura pop desde 2001 e relembra a quantidade de adaptações cinematográficas de grandes orçamentos que têm vindo a ser produzidas desde então até aos dias de hoje. "Os filmes de super-heróis estão na moda", afirma Angélica. "No ano passado saiu o 'Wonder Woman' e embora 2018 ainda vá no início, já saiu o 'Black Panther'", continua, com o entusiasmo típico de quem mal pode esperar para levar os filhos ao cinema para verem o novo filme.

Para Mário, a Wonder Woman é uma das personagens que mais sucesso tem revelado no grande ecrã

Já Paulo Costa oferece a sua visão de livreiro e diz que, embora possa existir um maior público entusiasta de artigos ligados aos livros, aos filmes, e às séries de televisão, isso nem sempre se traduz em números de vendas, ainda que reconheça a facilidade de acesso que as novas tecnologias de informação vieram possibilitar a novos tipos de produtos e conteúdos do universo pop.

"Com a era da imagem, a banda desenhada tem conquistado cada vez mais espaço, em parte porque já ninguém tem tempo para ler textos grandes numa altura em que uma imagem pode resumir todo um pensamento", diz Ana Granado, assente na convicção de que cada vez mais crianças e adultos consomem este tipo de literatura.

Morada: Rua das Flores, 71, Lisboa

Telefone: 213 461 208

Horário: 10h30-19h30, fecha ao domingo

Os tempos mudaram e, com eles, novas subculturas foram emergindo um pouco por toda a parte. "Hoje, é muito popular ser-se nerd", diz Angélica, recordando os tempos em que, pessoas com estas características eram geralmente olhadas de lado. "Em Stranger Things, por exemplo, as personagens principais são os típicos nerds desajeitados", que juntos tentam salvar o mundo ainda que, no fundo, saibam "que tudo o que está a acontecer é muito superior ao que eles alguma vez poderiam suportar."   

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