Discutem porque um tirou um brinquedo ao outro, porque não é a vez dele de ir à janela do carro, porque usou a roupa que não lhe pertencia ou até porque mudou o canal do Panda para a Disney. Parece que é normal os irmãos discutirem mas será problemático ou inevitável? São mesmo terríveis ou fazem parte do processo de crescimento em família?

Nem sempre um ambiente conflituoso entre dois ou mais irmãos é representante de um panorama negativo ou de um problema familiar, já que nestas ligações estão envolvidos vários sentimentos, muitos deles contraditórios.

Do amor e amizade ao companheirismo e solidariedade, os sentimentos são diversos, existindo também espaço para a rivalidade, para o ciúme e para a inveja, o que não é razão para alarme. “A relação entre irmãos desenvolve-se num equilíbrio entre estes sentimentos contraditórios, sendo que a ligação saudável não é aquela em que não há sentimentos negativos, mas sim a relação em que os sentimentos positivos têm geralmente mais força do que os negativos”, afirmou à MAGG Isabel Prata, psicóloga clínica. “Isto acontece quando prevalecem as experiências boas, de afeto entre irmãos e na relação com os pais, quando a rivalidade pode ser vivida sem se perder o afeto”. Apesar dos conflitos na infância e adolescência, a especialista reforça que “os irmãos com idades mais próximas terão, na idade adulta, uma relação de maior companheirismo do que os irmãos com maior intervalo de idades”.

Porque discutem os irmãos?

As razões variam muito, dado que os irmãos são todos diferentes, mas os ciúmes, a rivalidade e a questão territorial/propriedade estão quase sempre presentes. “Sejam ciúmes dos pais ou de alguma situação, seja face à dificuldade de tolerar a diferença com vista a marcar uma posição e ganhar maior afirmação e poder em casa, estes tendem a ser os principais gatilhos geradores de conflito”, afirma Filipa Jardim da Silva, psicóloga clínica e coach profissional.

Isabel Prata acrescenta que a rivalidade é um grande fator a ter em conta: “Recordo-me de assistir a uma discussão entre dois irmãos em que a grande questão era se a Figueira da Foz era a sul ou a norte de Coimbra. Ficaram naquilo imenso tempo, a verem mapas e a trocar argumentos. E penso que o que estava verdadeiramente em causa era uma questão de rivalidade baseada na premissa ‘qual de nós sabe mais e é mais esperto?’”.

A partilha de brinquedos é um dos motivos mais comuns de conflitos entre irmãos

Discute-se pela propriedade de algum brinquedo ou objeto, porque o irmão usou uma peça de roupa sem pedir, porque entrou no quarto e utilizou algo que não lhe pertence. “Os meus filhos não costumam discutir muito mas, sempre que acontece, é geralmente pela partilha de brinquedos ou porque um deles não respeitou o espaço do outro”, contou à MAGG Patrícia Félix, de 40 anos, mãe de Vicente, com 11 anos, e das gémeas Madalena e Matilde, com oito. “As meninas dão-se muito bem uma com a outra, só mesmo quando querem o brinquedo da outra é que brigam um pouco. Mas na maioria dos casos, é o Vicente que acaba por as desestabilizar. Elas são meninas, gostam de brincar com bonecas e ele tem tendência para querer saltar, correr. E quando se juntam os três neste registo é mais complicado de gerir e acabam por fazer muitas diabruras. O que também acaba por perturbar muito a dinâmica é quando as gémeas mexem nas coisas do Vicente, ele odeia que toquem nas coisas dele.”

“Na maior parte das vezes o que está em discussão é a propriedade versus partilha, o nosso espaço, a admiração e inveja que temos pelo outro”, salienta Filipa Jardim da Silva, que acrescenta que o lugar junto dos pais e a importância que cada irmão tem junto dos progenitores também é motivo de discórdia. Patrícia Félix confirma: “O Vicente queixa-se muito que não temos tempo para brincar com ele.”

Devem os pais interferir nas discussões?

“Tal como os pais podem discutir e conversar sobre assuntos que não têm de ser partilhados com os filhos, também os irmãos podem e devem ter as suas interações autónomas, sem a intervenção dos pais. Nessas interações podem haver discussões e isso é tão válido como brincar ou fazer coisas juntos. Os irmãos têm as suas relações especiais, as suas conversas, as suas discussões”, afirma Isabel Prata.

Evitar os conflitos não é um objetivo realista, “nem desejável, de resto”, afirma Filipa Jardim da Silva.  Os conflitos são inerentes à condição humana e é a discutir que as crianças aprendem a expressar os seus sentimentos, a negociar e a resolver problemas, sendo estas discussões tão importantes como os atos de camaradagem e cumplicidade para um desenvolvimento sócio-emocional. “Estes desentendimentos fazem parte de um crescimento saudável, pelo que os pais poderão utilizar estas situações de conflito como forma de prepararem os seus filhos para o mundo real, onde nem toda a gente se dá bem”, acrescenta a psicóloga.

Ambas as especialistas estão de acordo: existe um limite que não deve ser ultrapassado nas discussões entre os irmãos e esse é a violência, física e/ou psicológica, sendo recomendada a intervenção dos pais caso a situação chegue a este ponto. “Talvez seja quase inevitável que possam existir, por vezes, confrontos físicos entre irmãos, sobretudo entre rapazes. Aliás, a violência física entre irmãos era bem aceite em gerações anteriores, sendo as lutas vistas como forma de as crianças se aprenderem a defender. Porém, no contexto atual, o mais importante é evitar lutas prolongadas que possam magoar fisicamente ou que sejam desproporcionais em termos de força dos intervenientes. É também de referir que a violência psicológica como chamar nomes, ridicularizar, dizer coisas humilhantes pode ter tanto impacto negativo como a violência física”, afirma Isabel Prata.

É importante evitar que as crianças assumam que a violência, seja ela de que tipo for, é a forma adequada de resolver conflitos. “Os pais devem interferir sempre que as discussões não se pautem por respeito e assertividade e devem impor limites e consequências quando as regras não são cumpridas”, diz Filipa Jardim da Silva, que sugere a criação de jogos e atividades em que os irmãos possam funcionar em equipa,  e em que os pais elogiem os pontos fortes de cada criança e fomentem uma admiração mútua.

Não julgar e dar o exemplo

Aos pais não cabe julgar quem está certo ou errado, o que pode ser particularmente desafiante em situações em que uma das crianças está claramente “certa”. Porém, o papel dos pais é assegurar que os filhos se sentem igualmente amados, cuidados e protegidos, ao mesmo tempo que definem os tais limites que impedem guerras abertas permanentes que coloquem em causa a harmonia familiar. “É importante que o foco dos pais esteja na regulação de comportamentos, ao invés de estar no julgamento das crianças, até porque não somos em absoluto aquilo que dizemos ou fazemos num determinado momento”, recomenda Filipa Jardim da Silva.

Os pais podem falar com os filhos em conjunto e também individualmente sobre o que significa respeitar o outro e aprender a tolerar diferenças, assegurando-se que eles próprios, enquanto adultos, são um bom modelo de assertividade e respeito na relação com os outros. “A violência entre irmãos, tal como muitas outras coisas que os filhos fazem, têm raízes na repetição de modelos familiares – a educação faz-se primeiro por exemplo”, afirma Isabel Prata.

As crianças entendem explicações válidas e dispensam argumentos vazios. “Os filhos vão perceber os pais se estes forem justos e explicarem o porquê de certos comportamentos não se poderem repetir: ‘isto que estás a fazer é errado porque...’ ou ‘o teu irmão tem razão porque...’, estes são argumentos válidos para as crianças. Por outro lado, frases como ‘tens de ceder porque ele é mais novo’ ou ‘é assim porque eu digo’ são de evitar e não vão ser entendidas pelos mais pequenos”, explica a psicóloga.

*texto originalmente publicado em 2018 e adaptado a 2022.