Em maio de 2015, Maria João Proença estava a trabalhar há quatro anos como marketing manager num grande grupo hoteleiro português. Apesar do stress, não tinha razões para se queixar: estava numa posição estável, o ambiente era bom e gostava do que fazia. Prestes a assumir a coordenação de um novo projeto, a lisboeta então com 32 anos foi chamada pelo CEO da empresa.

“Disse-me que se queria ir de férias tinha de aproveitar aquela altura, porque depois o projeto ia avançar e eu não poderia estar fora”, recorda à MAGG Maria João Proença, Jo para os amigos — e para os leitores do blogue que entretanto criou, o Joland. “Não sabia o que fazer. Não tinha ninguém com quem ir e tinha de tomar uma decisão naquele momento.”

Jo acabou mesmo por viajar sozinha. De mochila às costas, partiu durante duas semanas para o Laos e Vietname. No dia em que devia voltar para Lisboa, já no aeroporto, ligou para o trabalho a pedir para ficar mais uma semana. Não conseguia ir já embora. Meses depois estaria a apresentar a carta de demissão. Algo mudou depois daquela viagem — e a sua vida nunca mais seria a mesma.

Disse-me que se queria ir de férias tinha de aproveitar aquela altura, porque depois o projeto ia avançar e eu não poderia estar fora. Não sabia o que fazer. Não tinha ninguém com quem ir e tinha de tomar uma decisão naquele momento.”

Desde os 18 anos que Pureza Fleming sonhava visitar a Índia. Tinha tudo planeado: depois de acabar o curso universitário, iria pegar na mochila e partir durante seis meses. Só que uma gravidez não planeada trocou-lhe as voltas. 14 anos mais tarde, depois de uma série de mudanças na sua vida, comprou o bilhete de avião e foi. Sozinha.

Susana Ribeiro não gosta de viajar sozinha. Quando começou a ir para fora mais vezes por questões profissionais, porém, começou a ter que o fazer. A primeira vez aconteceu em 2014, quando a autora do blogue Viaje Comigo fez uma das suas primeiras viagens a convite do turismo oficial da Tailândia. Depois de vários dias com um grupo de 100 jornalistas de todo o mundo, decidiu ficar mais três dias para conhecer Banguecoque.

“Pensei que mais alguém iria fazer o mesmo, mas acabei por ser a única”, conta à MAGG Susana Ribeiro. “Quando fiquei sozinha no hotel comecei a sentir uma solidão enorme. Só fiquei bem quando fiz a mala e fui para o hostel.”

Maria João Proença, Pureza Fleming e Susana Ribeiro têm idades, carreiras, histórias e motivações muito diferentes. Em determinado momento das suas vidas, porém, todas elas decidiram que estava na altura de perderem o medo de viajar sozinhas. Depois disso, nunca mais foram as mesmas.

Jo foi “forçada” a ir de férias — e isso mudou-lhe a vida

Maria João Proença tinha amigos que já tinham viajado sozinhos. Só que eram todos do sexo masculino — e ela era a primeira a referir-lhes isso. “Tu és homem. Safas-te em qualquer lado e não se metem contigo”, dizia-lhes. Eles retorquiam que não era bem assim, que conheciam mulheres viajantes. A pouco e pouco, a ideia começou a enraizar-se. Quando se viu forçada a ir de férias mais cedo do que o previsto, Jo sentiu que tinha chegado o momento: “Aquele ultimato foi o empurrão que precisava.” Destinos escolhidos: Laos e Vietname.

Maria João pensou várias vezes em desistir. Os nervos consumiram-na até entrar no avião. Só — depois desapareceram. Quando apertou o cinto de segurança, sentiu uma onda de coragem e confiança a invadi-la. Quando aterrou em Hanói, estava pronta para a aventura.

Foi uma viagem incrível. Tão incrível que no dia em que era suposto regressar para Lisboa, ligou para o chefe a perguntar se podia ficar mais uma semana. Já estava no aeroporto à espera do avião.

“Não conseguia voltar”, admite Maria João à MAGG. “Ele ficou surpreendido mas disse que sim, uma vez que não havia nada de urgente para tratar.”

Houve alguma coisa que mudou em Maria João depois daquela viagem. Tanto que deu por si a refletir sobre o que é que andava a fazer com a sua vida. Sentia-se feliz? Estaria no sítio certo? Seria aquilo que queria fazer durante mais quatro, oito ou 16 anos?

“Voltei para Lisboa com qualquer coisa aqui dentro. Durante a viagem senti-me mesmo feliz, senti que estava a fazer aquilo que queria fazer. Apaixonei-me pelas viagens e sobretudo por viajar sozinha — fez-me sentir mais confiante, mais segura de mim mesma. Que era capaz de me safar em qualquer lado.”

Em agosto, Maria João despediu-se. “Tinha 32 anos e pensei: ‘Tenho de sair daqui. Tenho de aproveitar a minha juventude.’ Não era um problema com aquela empresa em particular, mas sim com aquele modo de vida.”

E de repente tudo mudou. Começou a tirar um curso de marketing digital na EDIT., um complemento ao currículo que lhe permitiria trabalhar em qualquer parte do mundo, e voltou a viajar sozinha — esteve três semanas em Singapura, Malásia e Indonésia. Por coincidência ou não, nessa mesma altura começou a reparar que o blogue A Vida de Johnie, uma página que tinha criado por brincadeira quando foi viajar sozinha, com o intuito de partilhar novidades com a família e amigos, começava a ser seguida por outras pessoas.

“Percebi que havia muitas mulheres que me admiravam de certa forma por ter tido a coragem de viajar sozinha.”

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Quando voltou da segunda viagem, Maria João começou a trabalhar num novo blogue, agora mais sério. No final desse ano nasceu o Joland. Graças a este projeto, Maria João conseguiu também encontrar um trabalho que lhe deu tudo aquilo que ela estava à procura: liberdade para continuar de mochila às costas. Contactada por uma unidade hoteleira no Algarve, começou a fazer relações públicas, gestão de social media e conteúdos. Trabalha remotamente grande parte do tempo.

E as viagens? Continuam, claro. Em 2017 foi três semanas para o Perú, este ano já está à procura de um voo baratinho para se “pisgar” daqui a um mês.

“Preciso de fazer pelo menos uma viagem por ano sozinha. Viajar sozinha é um limpar de alma, um limpar de energias. Há quem recorra a várias formas de fazer reset. Para mim é isto.”

Susana Ribeiro não gosta de viajar sozinha — mas está a fazê-lo cada vez mais

Foi por questões profissionais que Susana Ribeiro, jornalista e autora do blogue Viaje Comigo, começou a viajar sozinha. Na Tailândia, depois de vários dias na região de Trat para conhecer o lado mais verde do país, decidiu prolongar a viagem para explorar Banguecoque. Nesses dias, aproveitou para fazer uma tour por Ayutthaya, a antiga capital da Tailândia, e pelo Mercado Flutuante de Damnoen Saduak. Sempre que se juntava a um grupo perguntavam-lhe de onde era e a conversa surgia. “Fazemos assim uma espécie de amizade de 24 horas.”

Ainda assim, houve momentos em que não foi fácil estar sozinha. “Estava em Banguecoque na altura do São João do Porto e lembro-me de estar a comer uns noodles salteados enquanto toda a gente estava a publicar fotos de sardinhas assadas. Há esse misto. Mas nunca mais tive esse sentimento de solidão.”

No ano passado, Susana Ribeiro fez três viagens sozinha. Uma delas aconteceu por acidente: em julho, foi convidada para se juntar a uma press trip pelo Vale do Loire, em França. Só que a greve dos controladores aéreos trocou-lhe as voltas e a jornalista, a única a sair do Porto, não conseguiu embarcar. A solução foi ir mais tarde — sozinha.

“Só uns dias antes da viagem é que me disseram: ‘Pode levantar o carro no aeroporto.’ ‘Como assim?’, pensei. ‘Ó meu Deus, vou andar sozinha a guiar em França’.”

Assim foi. Durante cinco dias, Susana Ribeiro andou na estrada a visitar castelos, restaurantes, sítios históricos, cidades e vilas pitorescas. Foi uma verdadeira aventura.

“Acho que o pior é fazer as refeições sozinha. Eu nunca gostei. Mas acabamos por arranjar formas de contornar isso — por exemplo, pegamos num take away e vamos para um jardim. Não é um sentimento de solidão mau. Às vezes penso apenas que gostava de ter ali a minha cara metade ou os meus amigos para partilhar aquele momento in loco com alguém. É mais essa sensação.”

Ainda nesse ano, Susana Ribeiro também passou uns dias sozinha no Rio de Janeiro e em Essaouira, Marrocos. “Há medida que vai avançando o tempo, estou a viajar mais sozinha. Vou-me libertando mais. Se calhar há uns tempos diziam-me que ia sozinha e ficava de pé atrás se não conhecesse bem o destino."

Não é um sentimento de solidão mau. Às vezes penso apenas que gostava de ter ali a minha cara metade ou os meus amigos para partilhar aquele momento in loco com alguém. É mais essa sensação.”

E mudou alguma coisa com estas viagens a solo? “Mudou”, garante a jornalista e blogger de viagens. “Deixei muitos medos de parte e aprendi que viajar sozinha também tem as suas coisas boas. Não temos que estar à espera que toda a gente chegue a consenso. Não tens de ir a um sítio que não querias só porque é a vontade do grupo. És tu que planeias o teu tempo.”

14 anos depois, Pureza Fleming cumpriu o sonho de viajar para a Índia — e foi sozinha

A primeira vez que Pureza Fleming viajou sozinha foi em 2015, quando foi ao casamento de uma amiga em Bali. Não foi uma experiência verdadeiramente solitária: depois das cerimónias foi para Ugude fazer ioga durante sete dias, mas conheceu por lá uma portuguesa e acabou por passar grande parte do tempo com ela. A primeira verdadeira viagem a solo, portanto, aconteceu no final do ano passado — 14 anos depois do suposto.

“Esta viagem era algo que tinha ‘encravado’ desde os meus 18 anos. Nessa altura decidi que depois de acabar a licenciatura iria seis meses para a Índia. Só que antes de acabar o curso engravidei.”

A Índia acabou por ficar para trás. Em maio do ano passado, depois de uma série de mudanças na sua vida — que foram desde despedir-se até mudar de casa —, a jornalista de 36 anos comprou finalmente o bilhete de avião para passar 23 dias no país. Só que nos meses seguintes não planeou nada da viagem. Na verdade, no dia em que tinha o voo estava a entregar artigos à última hora.

“Esta falta de tempo fez-me chegar ao aeroporto sem visto. Não sei porquê meti na cabeça que seria como ir para a Indonésia, onde fazes o visto à chegada.”

Pureza Fleming não conseguiu embarcar. Mudou o voo e adiou a viagem durante duas semanas, o que lhe deu finalmente tempo para organizar um pouco as coisas. Pelo menos os básicos: além do retiro espiritual de sete dias que já tinha decido fazer em Rishikesh, no norte da Índia, escolheu os restantes sítios onde iria dormir.

Contrariamente ao que aconteceu com Maria João Proença, que sentiu o medo desaparecer assim que entrou no avião, Pureza Fleming estava em pânico quando aterrou: “Cheguei de noite, eles não percebiam nada do que eu dizia, paguei uma fortuna por um táxi no aeroporto.”

Eu perdia-me, perguntava se era para a direita e diziam-me que sim. Depois perguntava se era para a esquerda e ele também me diziam que sim. Durante a primeira semana andei um bocado em pânico. Estás mesmo por ti.”

Os primeiros dias não foram fáceis. “Eu já fui assustada porque toda a gente me dizia que era perigoso uma mulher ir sozinha para a Índia. É, de facto, mas o mais assustador é estares num sitio onde não te percebem. Ali ninguém te percebe. Eu perdia-me, perguntava se era para a direita e diziam-me que sim. Depois perguntava se era para a esquerda e ele também me diziam que sim. Durante a primeira semana andei um bocado em pânico. Estás mesmo por ti.”

Durante a viagem, Pureza Fleming viveu muitas aventuras — como aquela em que chegou a uma estação de comboio já com um bilhete comprado e um guarda a tentou enganar. Disse-lhe que a viagem tinha sido cancelada e enviou-a para uma agência para resolver o assunto. Lá, indicaram-lhe que estava tudo esgotado para os próximos dias, e que portanto tinha de ir de táxi ou de avião.

“Naquele momento tive uma iluminação e disse que não ia comprar nada. Voltei para a estação e vi que afinal o comboio não tinha sido nada cancelado. Não o perdi por cinco minutos — era tudo um esquema.”

Com o tempo, porém, Pureza Fleming tornou-se mais desconfiada. E segura de si mesma, também. Quando chegou à Índia, perguntou-se várias vezes o que raio estava a fazer ali sozinha. “Pensei mesmo: eu não vou sari daqui. Vai acontecer qualquer coisa. Depois entrar na lei da aceitação e torna-se tudo muito mais simples. Sai de lá a sentir-me mais forte, mais confiante.”

E voltar a viajar a solo, faz parte dos planos? “Quero viajar sozinha para o Perú. Quero ir para a selva. Não sei quando. Um dia.”

As mulheres devem ter medo de viajar sozinhas?

No blogue Joland, Maria João Proença fala com frequência sobre mulheres a viajar sozinhas. Acima de tudo, procura descomplicar o tema. “Sinceramente acho que as pessoas exageram um bocadinho a questão da segurança das mulheres. Nós também andamos sozinhas no nosso País, não vamos com um homem atrás.”

Acima de tudo, é uma questão de bom senso, de não correr riscos desnecessários, como beber demais ou andar sozinha à noite, e de agir com naturalidade. “Sim há riscos, mas também há riscos cá. Nunca fui roubada, nunca ninguém se meteu comigo.”

Perante as inúmeras mensagens e emails de mulheres que queriam viajar sozinhas, Maria João Proença criou um grupo no Facebook chamado Mulheres Viajantes. Já tem mais de cinco mil membros, e o número continua a crescer. “A ideia é que as mulheres se inspirem umas às outras a viajar sozinhas.”

Susana Ribeiro é da mesma opinião — cuidados sim, medo não. Quando viajou para o Brasil, houve quem lhe dissesse: “De todos os sítios, vais estar sozinha no Rio de Janeiro?”. A jornalista nunca se sentiu em perigo. “Claro que temos de tomar precauções. Saco de pano, chinelo no pé, telemóvel guardado no bolso. Há truques que vamos adoptando, sobretudo quando somos mulheres e podemos destacarmo-nos na multidão.”

Além do cuidado com a escolha da roupa — Susana Ribeiro não se esquece de quando esteve na Índia e, na praia, as mulheres começaram a gozar com ela porque tinha os joelhos à mostra —, é preciso nunca esquecer os básicos. O dinheiro não deve andar todo junto, ter um segundo telemóvel é uma boa opção e olhos sempre postos na carteira.

“Nós vamos sem medo, mas contando que se nos acontecer alguma coisa, estamos precavidos. A verdade é que as únicas vezes que fui assaltada foi no meu próprio País.”

Os melhores sítios para as mulheres viajarem sozinhas

“Eu diria que é qualquer um. É o que as pessoas quiserem”, diz Susana Ribeiro à MAGG. “Escolher sítios é muito difícil, porque há países que as pessoas têm imenso receio de visitar e deviam deixar de ter — Marrocos é um desses casos. Mas também há quem tenha uma opinião diferente e diga, por exemplo, que Marraquexe não é uma cidade para ires sozinha se fores mulher. Depende da tua postura. As pessoas não se devem inibir.”

Maria João Proença recebe muitas vezes mensagens com esta pergunta. Há quem questione ainda se não é melhor começar pela Europa.

“Eu sinceramente tenho mais medo de viajar na Europa do que na América do Sul”, garante à MAGG. “Para mim o Sudoeste Asiático foi o melhor destino para começar. Tem a ver com a cultura do povo, com a religião, com a forma de estar deles. Sempre me senti muito segura a viajar. O Peru também achei extremamente seguro. O Sri Lanka não estive lá sozinha mas podia ter estado, também é uma boa escolha.”

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