O envelhecimento assusta muita gente e, embora seja inevitável, há quem faça de tudo para ter acesso a um elixir da juventude, mesmo que ele não exista. Nos últimos tempos, têm andado a circular pelas redes sociais uns adesivos que quase se assumem como tal: os X39, desenvolvidos pela LifeWave.

Esta empresa alega "aproveitar a energia natural do corpo para reverter o envelhecimento e maximizar o potencial humano", de acordo com a descrição disponibilizada do site. Os adesivos dizem reger-se por uma abordagem única no que diz respeito a melhorar a saúde, não recorrendo a "drogas ou químicos", mas à ciência da Fototerapia, que "utiliza a luz para melhorar a saúde do corpo". E quem anda a promovê-los é Mafalda Rodiles, atriz e mulher de Gustavo Santos, assim como a coach Rita Mendes, que é também distribuidora desta marca.

Esta segunda-feira, 8 de abril, a dupla recorreu às redes sociais para, numa transmissão em direto, publicitar esta que alega ser uma parte indispensável do seu estilo de vida atual. Mafalda Rodiles diz que, desde que começou a aplicá-los, tem sentido uma diferença enorme no seu bem-estar e na sua boa disposição. Rita Mendes chegou até a contar que teve conhecimento destes adesivos depois de ser mãe, numa altura em que lutava contra dores corporais.

"O Duarte ficou quase dois meses no hospital", disse a coach, referindo-se ao filho, que deu à luz na era pós-Covid. "Quando saí do hospital com ele, não tive tempo para tratar de mim no pós-gravidez", continuou, acrescentando que começou a ter "uma dor no cóccix, de ter estado sempre sentada" e de, consequentemente, não ter tido tempo para fazer fisioterapia. E a dor acompanhava-a de tal forma que, cada vez que se sentava e levantava, até "fazia um gemido". Entretanto, uma amiga falou-lhe dos adesivos e deu-lhe um para experimentar, que colocou de imediato naquela zona. "Depois de duas horas", a dor não existia, alega a coach.

Veja aqui o direto na íntegra.

Segundo diz o par, os adesivos – brancos, circulares e com poucos centímetros – devem ser aplicados na zona do pescoço, da coluna ("pontos energéticos importantes", frisam) ou em qualquer sítio em que uma dor teime ser inoportuna. Isto porque contam com "nanocristais", tecnologia que, avança o site, remonta ao Antigo Egipto, altura em que quem lá morava fazia "incidir a luz solar através de vidros coloridos em determinadas zonas do corpo".

Trocado por miúdos, a alegada tecnologia destes produtos passa pela retenção da "energia infravermelha, quando colocados no corpo, o que faz com que a reflitam de volta para estimular pontos específicos na pele". Segundo afirma a LifeWave, isto vai surtir efeitos, entre muitas coisas, na cicatrização de feridas, aumento da energia e vitalidade, redução de dores e inflamações, melhoria do aspeto do cabelo e da pele, assim como no desempenho físico.

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Rita Mendes diz que não há contraindicações, que os adesivos podem ser usados em toda a gente – inclusive em animais – e que vão ajudar em certas patologias, como terá sido o caso de Mafalda Rodiles, que sofre de rinite e terá ficado muito mais alivada. No site da Nutribio, que comercializa o produto – uma caixa de 30 unidades custa 174,66€ –, a conversa é outra.

"Consulte um profissional de saúde antes de utilizar o adesivo se tiver um problema de saúde ou quaisquer dúvidas ou preocupações sobre a sua saúde. Não utilizar em caso de gravidez ou amamentação", lê-se na plataforma, na qual também se alerta para o perigo de ingestão (algo que, na conversa entre o par, também não foi referido como preocupação). Por desvendar fica a lista de ingredientes, que não consta em qualquer parte do site.

Mas, afinal, os adesivos X39 entregam tudo o que prometem? Entregam alguma coisa, sequer? Há evidências científicas que sustentem produtos como este? Fomos falar com Adriana Relvas, médica especialista em Medicina Estética e membro do gabinete do combate ao intrusismo da Sociedade Portuguesa de Medicina Estética, que nos elucidou em relação a este assunto.

"Elas dizem que ajudam pessoas. Isto ajuda a carteira de quem os vende"

Adriana Relvas, que exerce desde 2010, expressou preocupação com a promoção gratuita destes adesivos nas redes sociais. Questionando a sua eficácia e segurança, destacou a falta de estudos científicos que sustentem os benefícios que prometem oferecer a quem os aplica. "Não há qualquer revisão científica que diga que os cristais, nanocristais ou qualquer tipo de pedra faça efeito no organismo, no sentido regenerativo, curativo ou paliativo", diz.

"Fiz uma revisão nos principais motores de busca médicos e parece-me mais uma das muitas falácias que existem nas redes sociais e no nosso senso comum", acrescenta a especialista, não descurando que a medicina se faz valer de tratamentos tópicos, como a aplicação de uma pomada nas costas, por exemplo, ou transdérmicos, como os adesivos de fentanyl, que contêm um opiáceo que vai diminuir a dor.

adriana relvas
Adriana Relvas. créditos: Instagram

Estes em nada se assemelham aos da LifeWave, já que, no primeiro caso, estamos a falar "de medicamentos que tiveram de passar por uma rede de investigação, tiveram de ser legalizados e só depois é que foram comercializados", frisa. Para um medicamento ser aprovado, tem de passar por "estudos, muitos números, riscos/benefícios bem estudados, ensaios duplamente cegos em que as pessoas não sabem que estão a receber tratamento", continua Adriana Relvas, voltando a confirmar que esta não é a realidade dos X39 — que até já foram notificados pelo ministério da saúde de Israel.

"Terem um efeito curativo ou de reversão da idade metabólica é muito fantasioso. Especialmente quando nem sabemos onde é que isto é produzido ou em que condições de assepsia é feito", afiança a médica. Por isso, a única explicação deverá passar pelo efeito placebo – termo usado para designar situações em que a mente cura o corpo sem recurso a medicação real. Ou seja, é um tratamento que, não tendo propriedades médicas, quem o toma julga que vai ajudar a solucionar uma determinada patologia.

"Isto é quase o que acontece às pessoas que entram com uma crise ansiosa numa urgência hospitalar, por exemplo. Nesses casos, se não estiverem associadas a outras patologias, até pode dar-se um adoçante [sem estas saberem que o é] e elas vão ficar melhores, porque vão achar que aquilo é um medicamento e que lhes vai fazer bem. É o que me parece que está a acontecer aqui", diz a especialista. "Elas dizem que [os adesivos] ajudam pessoas. Isto ajuda a carteira de quem os vende", remata.

Segundo a médica, estamos perante "um caso de intrusismo médico"

Questionada sobre o prejudicial que é haver duas pessoas que, mesmo não estando ligadas à área da saúde, promovem este género de produtos, Adriana Relvas não hesita em responder. "Isto é um caso de intrusismo médico e pessoas deste género têm de ser paradas", exclama.

"São pessoas que influenciam e, se querem influenciar, que o façam com e para a literacia, não com desinformação", reitera, acrescentando que a situação é tão grave que tem havido "um aumento do preconceito da medicina convencional em detrimento das alternativas e pseudo-ciências, graças a pessoas como estas".

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Isto, por sua vez, faz com que seja cada vez mais difícil de fazer prevenção de certas patologias, porque "os doentes já só chegam aos hospitais quando" os casos são mais graves do que seria suposto, acabando "por perder um diagnóstico" que, realizado na altura certa, apresentaria resultados mais promissores. "O nosso País era ótimo em prevenção primária. Infelizmente, estamos a começar cada vez mais a fazer prevenção secundária – o chamado tratamento – das doenças", relata Adriana Relvas.

Por fim, a médica recusa-se a ceder às "teorias da conspiração das indústrias farmacêuticas", que tem sido apontada como nociva por muitos. "A indústria farmacêutica teve estudos. Nós sabemos perfeitamente a quem é que estamos a dar os medicamentos e se ele é indicado ou contraindicado. Qualquer fármaco tem de ser manuseado por um médico ou por um farmacêutico, que deve aconselhar em conformidade", remata.